Canadenses com fibrose cística vivem cerca de uma década mais que americanos

Instituto Unidos pela Vida - 20/03/2017 08:30

Cystic Fibrosis Canada

FIBROSE CÍSTICA NO CANADÁ

Michel, um paciente com fibrose cística de Mascouche, Québec, Canadá, em uma das clínicas que forneceram dados para o estudo que abordou as diferenças na sobrevida.

Por ERIC BOODMAN @ericboodman

13 DE MARÇO DE 2017

Em 2011, os pesquisadores da fibrose cística notaram algo estranho. Os pacientes com esse grave transtorno genético estavam vivendo cada vez mais — mas no Canadá eles pareciam estar vivendo significativamente mais que nos Estados Unidos.

Os pesquisadores perguntaram-se então se os pacientes canadenses eram de fato mais propensos a viver mais, ou se estava acontecendo alguma outra coisa. Teria havido diferenças na maneira como cada país coletou seus dados? “Talvez os dados do Canadá tenham sido coletados entre pacientes com fibrose cística mais leve que os dos EUA”, disse o Dr. Anne Stephenson, um médico pesquisador especializado em fibrose cística no St. Michael’s Hospital, em Toronto.

Mas isso não se confirmou como verdade. Seis anos e muitas análises estatísticas mais tarde, Stephenson e seus colegas constataram que a média de idade da sobrevida para os canadenses era de 50 anos, e para os americanos apenas 40 anos. A diferença se manteve mesmo quando foram analisados somente os dados dos casos mais graves.

“De certo modo as pessoas deveriam se alarmar”, disse Stephenson, “pois isso fará com que elas sintam-se motivadas a reduzir essa diferença”.

Para Kevin Gorey, epidemiologista da Universidade de Windsor que estuda como os dados de saúde diferem em cada um dos lados da fronteira, provavelmente trata-se da maior diferença de sobrevida que ele já viu: “É ‘impressionante’”, ele disse.

“Uma diferença de dez anos… são muitos anos passados com o seu filho, ou não, divertindo-se com os amigos, vivendo a vida”, disse Gorey, que não esteve envolvido no estudo. “Isso é uma enorme, enorme tragédia humana”.

Mas esses resultados, publicados na última segunda-feira, nos Annals of Internal Medicine (Anais de Medicina Interna), 13 de março 2017, também levantam algumas questões difíceis em relação ao sistema de saúde americano, e a porque ele não pode ser tão eficiente em manter a vida dos pacientes.

A fibrose cística é resultado de uma mutação no gene que auxilia na construção da membrana celular. Se a proteína codificada por esse gene for retirada, a célula começará a sugar mais água do que deveria, deixando o muco circundante seco e viscoso, e permitindo que todos os tipos de órgãos fiquem obstruídos. Os pulmões têm dificuldade em respirar; o pâncreas tem problemas para enviar suas enzimas para o trato digestivo.

Conforme os pesquisadores e médicos encontraram melhores maneiras de tratar a fibrose cística, a sobrevida no Canadá e nos EUA melhorou. Mas esses tratamentos não foram realizados sempre da mesma maneira nos dois países, e os pesquisadores admitem a hipótese de que essas diferenças podem ser, em parte, responsáveis pela disparidade na sobrevida.

O Canadá foi o primeiro país a adotar a dieta rica em gorduras para os pacientes com fibrose cística, o que os ajuda a obter mais dos nutrientes que necessitam, portanto os EUA deveriam considerar maior intercâmbio e a atualização dos procedimentos de tratamento.

Os autores também apontam a diferença no sistema de transplantes dos dois países, mostrando que mais canadenses com fibrose cística receberam pulmões novos que os americanos. Em particular, os pesquisadores focam em um algoritmo chamado de lung allocation score (escore de alocação de pulmão), introduzido nos EUA em 2005. O escore foi desenvolvido para classificar os pacientes na lista de espera de acordo com o grau de sua doença e a probabilidade de sobrevida após a cirurgia, explicou o Dr. Kevin Chan, cirurgião de transplantes da Universidade de Michigan, e presidente do comitê nacional que supervisiona a alocação de pulmões.

Uma vez que é quase certo que os pacientes com fibrose cística irão precisar de transplante em algum momento, eles podem ser incluídos na lista muito precocemente após o diagnóstico, de maneira que uma porcentagem maior deles pode ter chegado ao topo da lista antes de 2005, quando o sistema era baseado principalmente no tempo de espera, disse Chan.

Mas alguns dos resultados mais marcantes relatados no periódico não estão relacionados com tratamentos específicos. Em vez disso, eles têm relação com o seguro de saúde.

Quando os pesquisadores levaram em consideração os 32.699 pacientes americanos que visitaram centros americanos de fibrose cística entre 2009 e 2013, e os examinaram de acordo com sua cobertura de seguro, a comparação com seus 4.662 colegas canadenses foi reveladora.

Os canadenses, todos recebendo cobertura de saúde fornecida pelo governo, tinham o mesmo risco de morrer que os americanos, estes com seguros privados. No entanto, quando comparados com os americanos com os seguros governamentais contínuos Medicare (sistema de seguros de saúde do governo americano destinado a idosos ou a portadores de doenças crônicas ou deficiências graves) e Medicaid (programa de saúde social americano voltado à população de baixa renda), o risco de morte dos canadenses foi 44 por cento inferior. Essa disparidade mostrou-se ainda maior quando se tratava de americanos sem nenhum seguro de saúde.

A cobertura do Medicaid é muito diferente de um estado para o outro, mas a comunidade de fibrose cística não ficou completamente surpresa pelo fato de os pacientes qualificados para o seguro do governo não terem os melhores resultados globais.

“Tenho o privilégio de exercer a medicina em Massachusetts, onde os programas do Medicaid são mais robustos que em outros estados, mas certamente encontramos desafios em termos do acesso aos cuidados com pacientes do Medicaid mais que com os pacientes segurados por empresas privadas”, disse o Dr. Gregory Sawicki, diretor do Centro de Fibrose Cística no Boston Children’s Hospital (Hospital Infantil de Boston).

Os maiores desafios, acrescentou Sawicki, são o acesso aos medicamentos, já que muitas vezes os pacientes com fibrose cística precisam tomar cerca de 10 a 15 drogas por dia, inclusive algumas que não são fornecidas pelo Medicaid.

Contudo, há um fator que confunde: “É difícil separar o acesso à saúde e o seu status socioeconômico”, disse Stephenson.

No entanto, os estudos de Gorey descobriram que, mesmo entre pacientes com câncer que têm renda similarmente baixa em cada país, “os canadenses têm probabilidade maior de receber a cirurgia indicada, probabilidade maior de conseguir quimioterapia, radioterapia, e probabilidade muito maior de viver mais tempo”, disse.

Muitos americanos já estão preocupados com o seguro de saúde, especialmente tendo em vista que os deputados republicanos estão propondo grandes cortes no Medicaid. As pessoas afetadas pela fibrose cística estão mais preocupadas que a maioria, porque a doença requer cuidados intensivos e muito caros.

J.J. Whicker considera-se “um dos afortunados”: o programa Medicaid de Utah cobriu tudo o que foi prescrito para seu filho de 7 meses de idade, Collin, que tem fibrose cística. Mas Whicker está preocupado com a possibilidade de isso mudar. “Se o Medicaid não tivesse se disposto a pagar por tudo, minha família estaria sofrendo enorme pressão financeira”, disse o estudante de doutorado de 26 anos.

Para Sawicki, o estudo mostra a necessidade de uma melhor cobertura. “Precisamos fortalecer e melhorar a cobertura de saúde para as pessoas com FC, e não cortar esses benefícios”, disse.

O Dr. Bruce Marshall, vice-presidente sênior de assuntos clínicos da Cystic Fibrosis Foundation, instituição que financiou o estudo, apontou que apesar da assustadora disparidade há um sinal de esperança. “A boa notícia é que a sobrevida está melhorando nos dois países. Há algumas décadas, as crianças com fibrose cística sequer chegavam à idade escolar”, disse.

Eric Boodman pode ser contatado pelo e-mail: eric.boodman@statnews.com 

Fonte: https://www.statnews.com/2017/03/13/cystic-fibrosis-canadians-americans/ – Cystic Fibrosis Canada

Traduzido por Vera Carvalho: Voluntária de Tradução de Textos do Instituto Unidos pela Vida. Vera tem formação em história social com mestrado voltado ao abandono de crianças. Foi gerente de informação na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, onde recebeu as primeiras demandas por traduções de textos acadêmicos e científicos. A tradução tornou-se a sua principal atividade profissional há treze anos.

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Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

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