Parte 2: Diário da Gestação com Fibrose Cística – O 1º Trimestre

Comunicação IUPV - 21/11/2018 10:00

Uma coisa é fato: a partir do momento que você lê “positivo” no resultado do teste de gravidez, sua vida muda instantaneamente. É óbvio que eu ainda não faço ideia do que de fato significa “mudança”, pois isso só será possível a partir do momento em que nossos olhares se cruzarem pela primeira vez. Mas aquele “positivo” faz tudo mudar na cabeça e no coração. Aos poucos, o corpo também muda. Mas a alma, imediatamente, torna-se alma de mãe.
Descobrimos nossa gravidez super no início. Era um domingo, 15 de Abril. Na sexta, meu exame de cultura de escarro havia dado alterado, e indicado a presença da bactéria estafilococos aureus. Para quem tem Fibrose Cística, isso é relativamente “comum”, apesar de não ser tão bom. Como minha pneumologista sabia que estávamos tentando engravidar, ela pediu para que eu fizesse um exame de sangue na segunda-feira, para verificar se eu estava grávida. Este resultado também mudaria a forma de conduzir o tratamento desta bactéria – que comumente seria tratado com um ciclo de antibióticos. No domingo, optamos por fazer um teste de farmácia, para já termos uma “noção” do que o exame de sangue poderia nos reservar. Ainda faltavam 4 dias para o meu próximo ciclo, então corríamos o risco de termos um resultado falso-negativo, mas, para nossa grande surpresa e alegria, o exame de farmácia já deu positivo! No dia seguinte, o exame de sangue veio apenas confirmar o que nosso coração já sentia: estávamos esperando um bebê!
Como comentei na primeira parte do diário de maternidade, planejamos nossa gestação, na medida que é possível planejar algo nesta vida. Como eu tenho Fibrose Cística, o ideal é que eu estivesse com a minha condição de saúde relativamente “controlada”, para que a gestação pudesse ser o mais tranquila possível, mesmo sendo uma gestação de alto risco. E eu estava muito próxima daquilo que gostaríamos que eu estivesse. Depois de um bom tempo de atividade física constante e regular, associada ao tratamento, recuperei minha função pulmonar e estava com pouco mais de 70% de VEF1. Meus exames pré concepcionais também estavam bem, e, mesmo eu tendo feito uma cirurgia no útero por conta de NIC III, tudo estava bem com o colo. Era a nossa hora! Nosso tão sonhado bebê estava a caminho!
Assim que descobrimos, compartilhamos a notícia com pessoas muito importantes: família, amigos muito próximos, minha pneumologista e nosso obstetra – que é tio do meu esposo. Não preciso nem dizer o quão emocionados e radiantes todos ficaram com a notícia. Esperamos completar 10 semanas para compartilhar com o “mundo” essa boa nova, e, quando isso aconteceu, a enxurrada de boas vibrações e amor foi deliciosa! Recebemos lindas mensagens de pessoas que viveram todo esse sonho conosco, e que torcem pela chegada deste bebê há anos. Foi uma delícia dividir este momento!
E então, num piscar de olhos, estávamos vivendo o primeiro trimestre da gestação, que vai até as 12 semanas de gravidez. Via de regra, para a grande maioria das gestantes, é um período delicado, marcado por náuseas, vômitos, cansaço. Por muita sorte, não tive nada disso. Pouquíssimos dias de enjôo, que foram rapidamente “curados” com a feliz descoberta de que uma bolacha de água e sal em jejum, antes mesmo de levantar, pode ser um santo remédio! Não tive mais náusea, e passei por esta fase muito bem!
E foi exatamente nesta fase que coisas maravilhosas também aconteceram: o primeiro dia das mães (sim! se o filho já está a caminho, já podemos comemorar!); os primeiros passeios nas lojas de bebê; as primeiras consultas e ecografias e, o momento mais emocionante de todos: o dia que ouvimos o coração pela primeira vez! Praticamente uma batucada, uma escola de samba atravessando a avenida da nossa vida! Que sensação maravilhosa! Havia, dentro da minha barriga, o nosso sonho mais esperado!
Logo ao final do primeiro trimestre, passamos pela primeira Ecografia Morfológica, super importante para saber verificar o desenvolvimento do feto. Confesso que chorei na consulta praticamente do início ao fim. Ao ser indagada pela médica que realizava o exame sobre se eu estava muito nervosa e ansiosa por ele (afinal, ele é considerado um dos exames mais importantes da gestação, pois é possível verificar anomalias, etc), eu disse que naturalmente estava ansiosa, mas, que o motivo do choro era outro: Pela primeira vez, em 31 anos, eu estava em uma consulta onde absolutamente tudo estava perfeito. E se eu precisei passar por tudo o que passei ao longo da minha vida para chegar aqui e viver este momento, tudo valeu a pena. Nosso bebê estava a caminho, e até então tudo estava perfeito!
Com a minha saúde, apesar da bactéria identificada no pulmão – que, por não estar desencadeando sintomas clínicos, optou-se por não tratar com antibióticos nesta fase – estava tudo caminhando muito bem. Eu precisei fazer alguns ajustes de tratamento, naturalmente, a começar pela modalidade da atividade física. Parei de praticar Crossfit, e passei a caminhar na esteira 30 minutos por dia, 3 vezes por semana, intercalando com bicicleta durante alguns dias. Confesso que foi uma mudança difícil, rs, mas valeu a pena. Com relação à medicação necessária para o tratamento da FC, mantive a inalação com alfadornase, fisioterapia, azitromicina, alterei a bombinha que utilizava (considerando que além da FC tenho asma e aspergillose bronco pulmonar alérgica), etc. Hoje em dia, há diversos relatos de gestações bem sucedidas em mulheres com Fibrose Cística, tanto no Brasil quanto no mundo. Busquei ler muito e conhecer a realidade dessas mães, entender suas rotinas e mudanças, mas, ao mesmo tempo, tentei amenizar a ansiedade, seguir as orientações médicas e lembrar sempre que cada caso é um caso, cada mulher é única e é impossível comparar gestações, tenha você FC ou não.
Como grande aprendizado do primeiro trimestre, eu diria que o que é mais importante de tudo, na minha opinião é seguir se cuidando – agora por dois; manter uma alimentação adequada, de acordo com a sua demanda de reposição de calorias, considerando que agora é também responsável pela alimentação de mais um serzinho; seguir o tratamento e, acima de tudo, manter a calma. Milhões de coisas surgem na cabeça, queira você ou não: vou dar conta? minha saúde vai suportar tantas mudanças? vou conseguir manter o tratamento, a rotina e a maternidade? vou ter saúde pra cuidar de tudo? E posso te garantir que isso não é mérito só de quem tem FC: todas as futuras mães vivem este turbilhão em algum momento da gravidez. Mas, como diria a minha mãe: faça sua parte e confie! Não há nada que possamos antecipar, apenas seguir fazendo nossa parte. E fazer nossa parte, agora por dois, é a melhor coisa que eu poderia fazer na vida!
No próximo diário, contarei sobre o segundo trimestre da gestação, a descoberta do sexo, e tantas outras sensações vividas!
 
Por Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, 32 anos, casada, diagnosticada com Fibrose Cística aos 23. Psicóloga, fundadora do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, membro do Grupo Brasileiro de Estudos em Fibrose Cística, está esperando sua primeira filha, Helena.
Contato: veronica@unidospelavida.org.br
Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

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