Depoimento – Taíssa Alencar
Comunicação IUPV - 22/04/2019 13:25Meu nome é Taíssa Alencar, moro em Fortaleza/CE, tenho 27 anos, sou advogada e portadora de Fibrose Cística. Descobri a doença muito cedo, ainda no meu primeiro mês de vida, o que, graças a Deus, me permitiu ter, desde logo, acesso ao tratamento necessário para que eu pudesse ter mais qualidade de vida. A primeira manifestação da doença foi íleo meconial (obstrução intestinal comum entre pacientes portadores da Fibrose Cística), levando-me a uma cirurgia de urgência com apenas 24 horas de vida, além de um mês de internação na UTI Neonatal.
Muitos imaginam que, pelo fato de eu conviver com a doença desde o nascimento, significa que eu sempre lidei muito bem com ela. É inegável que fui abençoada por ter o privilégio de descobrir esse problema tão prematuramente, mas eu gostaria de lembrá-los que as coisas nem sempre são simples e vou explicar o porquê.
Nasci em 1991. Se você, hoje, acha que a Fibrose Cística é uma doença pouco conhecida, imagine só como era naquela época. Nos anos 90 ainda não existia o mundo virtual, o que impossibilitava a troca de informações e experiências que hoje a internet, com apenas um click, nos proporciona. Além disso, durante a minha infância, fui instruída a nunca falar sobre a doença com ninguém, virando um verdadeiro tabu para mim. O máximo que eu sabia sobre outras crianças com o mesmo problema (se minha memória não me falha) era através da minha fisioterapeuta. Para a cabeça de uma criança tudo pode ser extremamente complexo. Apesar de saber que existiam outros iguais a mim, por muitas vezes cheguei a acreditar que eu era a única. A minha caminhada com a Fibrose Cística foi sempre muito solitária. E, de certa forma, ainda é.
O objetivo primordial desse depoimento nada mais é que um aconselhamento, direcionado aos pais e pacientes, através da minha própria experiência como ser humano e portadora da doença.
Vamos começar com os pais
Primeiramente, gostaria de ressaltar a minha gratidão e reconhecimento aos meus pais, no que tange aos meus primeiros anos de vida. Nunca, em momento algum, duvidei do quanto foi difícil e sacrificante ter que lidar com um bebê tão doente como eu fui. Obrigada por terem feito o necessário para que eu sobrevivesse.
É do conhecimento de todos que a Fibrose Cística é uma doença grave e requer muitos cuidados. No entanto, é imprescindível saber diferenciar cuidado de superproteção. Não sou mãe (ainda), mas sei que não preciso sê-la para afirmar que, naturalmente, as mães vocacionadas ao exercício maternal desejam que seu filho(a) seja preservado de todo tipo de injustiça e discriminação. No entanto, essa proteção precisa ser administrada com muito cuidado e boas orientações, a fim de evitar um efeito negativo na vida da criança, em vários sentidos.
Pois bem, vamos ao meu exemplo. Como citei acima, sempre fui orientada pela minha mãe de que eu não deveria, sob hipótese nenhuma, falar sobre a Fibrose Cística com outras crianças. Acredito que essa foi a forma que minha mãe encontrou de me proteger dos julgamentos, ou seja, o famoso bullying. Na hora do lanche, durante o recreio, fazia um verdadeiro malabarismo para ingerir minha enzima pancreática (hoje, o creon) sem que percebessem (faço isso praticamente até hoje, rs). Não preciso dizer que fui criada em uma verdadeira bolha, certo? Minha mãe dificilmente permitia que eu interagisse com outras crianças fora do ambiente escolar. Como exemplo, nunca pude dormir na casa de nenhuma coleguinha. Eu, claramente, tive uma infância bem limitada, sempre em nome dos cuidados que a Fibrose Cística demanda.
Tenho fortemente a ideia de que a forma como os pais lidam com a doença é, também, a forma como ensinam a criança a lidar, e minha mãe nunca soube lidar muito bem. Imagino o baque que é para uma mãe de primeira viagem saber que seu filho foi diagnosticado com uma doença tão grave, sem cura, cheia de cuidados e limitações. Mas, a verdade é que não há o que ser feito para reverter tal situação, que não seja a de encarar de forma positiva. Essa é a melhor saída, para os pais e para os portadores de fibra.
Durante minha adolescência, por volta dos 13 aos 15 anos, enfrentei dificuldades em aceitar a doença e continuar com o tratamento. Eu fazia, mas fazia mal feito ou insuficiente. Isso gerou um grande sofrimento aos meus pais, do qual me arrependo. Ainda que cada adolescente seja um mundo à parte, geralmente é por volta dos 14 anos que surge o interesse pelo sexo oposto. Minha mãe, com medo que eu entrasse no mundo da “paquera”, por diversas vezes usou do meu problema para manter meu afastamento e desinteresse. Perdi as contas de quantas vezes ouvi dela que ninguém se interessaria por mim ao tomar conhecimento da Fibrose Cística. Um pouco mais adiante, para impedir que eu tivesse algum tipo de relacionamento sexual (pelo menos antes do casamento), gostava de me lembrar da minha cicatriz e que, no momento que o rapaz visse, perderia o interesse. Minha mãe minou a minha autoestima e confiança desde muito cedo, e a doença foi apenas uma das motivações.
Nunca vou conseguir delimitar o quanto essa forma de tratamento me prejudicou, seja nas minhas relações amorosas ou interpessoais, como na relação comigo mesma. Como resultado, passei boa parte da minha vida escondendo a Fibrose Cística de todos que estavam ao meu redor. Não queria ser rejeitada. Com exceção dos namorados (que descobririam mais cedo ou mais tarde), ninguém mais sabia, além dos profissionais de saúde que me acompanhavam. Claro que os sintomas da doença me deduravam por si só. Quando eu era questionada, tranquilamente conseguia me sair jogando a culpa na conta da asma e da bronquite. Afinal, o que diabos é Fibrose Cística? Não sabiam. A minha intenção, aqui, não é deixar uma imagem negativa da minha mãe para vocês. Essa foi a forma que ela encontrou para lidar com o meu problema. Não foi correto, mas as pessoas são o que são e precisamos aceitar isso, sobretudo se essa pessoa for alguém do nosso núcleo familiar. Necessária a exposição porque algumas coisas precisam ser ditas para que outras possam ser melhor compreendidas.
Voltando
Quanto à minha cicatriz, nunca a aceitei. Passei por duas intervenções cirúrgicas corretivas no intuito de mascará-la, mas nunca obtive êxito. Tinha horror à praia e tudo o que me obrigasse a deixar a barriga do lado de fora. Usei biquíni durante a minha primeira infância, mas logo substitui pelo infalível maiô, meu companheiro até os meus 24 anos. Aos 25, fui sendo convencida por amigos (os pouquíssimos que sabiam) a levar de uma forma mais leve.
Aproveite a sua vida ao máximo, ok? Não deixe de fazer NADA por medo ou vergonha. Hoje eu amo o mar, já aderi ao biquíni e liguei o botão do ferre-se para essa sociedade que nos insiste em impor um padrão de beleza praticamente inatingível. Sou mais eu. Seja também!
Conselho número 1: Se você é mãe ou pai de um filho portador de Fibrose Cística, preze pela saúde mental e psicológica dele. Queremos cuidar do físico, mas esquecemos das sequelas psicológicas que essa doença pode acarretar. Diga ao seu filho(a) o quanto ele(a) é abençoado por poder VIVER. Ressalte, TODOS os dias, o quanto ele/ela é especial. O quanto vocês o amam e o aceitam. Não permitam, jamais, que o seu guerreiro(a) de fibra acredite que não é capaz. Uma das inúmeras lições que aprendi com a doença é a de que somos muito, MUITO fortes. Nunca deixei de fazer nada que eu realmente me propusesse a fazer. Aliás, abro aqui um parêntese. Pais, estimulem a prática de atividade física e esportes, pois essa, a meu ver, é a melhor forma de prevenir o enfraquecimento da nossa capacidade pulmonar. Ouso afirmar que foi isso que me salvou nos momentos de rebeldia. Fiz natação, vôlei, basquete, musculação, boxe e, atualmente, faço yoga (ashtanga). Às vezes, nossas limitações estão muito mais na nossa cabeça do que no próprio corpo.
Conselho número 2: Esse é para você, paciente com Fibrose Cística. Aproveite as redes sociais e entre em contato com outros pacientes, profissionais, e todos os que estiverem envolvidos com a causa. Isso vai te ajudar a manter a fé e a esperança, através de exemplos de superação. Sobre o tratamento, um dia eu também achei um saco ter que tomar tantos medicamentos. Aliás, esse sentimento ainda me visita, mas tento pensar positivo e seguir confiante. Tive muitas fases, altos e baixos. Por vezes, como já disse, não quis fazer o tratamento. Mas, no fim das contas, a única realmente prejudicada era eu. Independentemente do profissional que você queira ser, ou do caminho que você escolha trilhar, é certo que você tem um (ou vários) sonho guardado no seu coração. Quando você não quiser fazer o tratamento, eu gostaria que você lembrasse que, NÃO IMPORTA o que você quer fazer da sua vida ou qual sonho deseja realizar, sem saúde, você não vai a lugar nenhum! Foi a partir desse gatilho que mudei a minha postura. Portanto, mude pra já a sua forma de encarar a doença e aproveite a vida. Vale a pena viver!
Espero, de coração, que esse depoimento chegue como luz no coração de vocês, pais e pacientes.
Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.