Doenças relacionadas ao fígado em pessoas com fibrose cística podem estar ligadas à proteína CFTR

Comunicação IUPV - 24/01/2022 07:17

A única interação entre a CFTR – proteína defeituosa em pessoas com fibrose cística – e outras duas proteínas inflamatórias, pode explicar porque alguns indivíduos com fibrose cística desenvolvem doenças no fígado, dizem pesquisadores. O estudo sugere que a proteína CFTR pode funcionar como uma âncora, trazendo certas proteínas junto a ela para bloquear a ativação, incluindo as proteínas pró-inflamatórias beta-catenina e a subunidade p65 da NF kappa B.

Quando a proteína CFTR está em falta ou disfuncional, essas duas proteínas são ativadas, o que pode levar a um super crescimento de células que revestem os ductos biliares – chamadas de células epiteliais biliares ou BECS – e pode causar inflamação no fígado. Lembrando que ductos biliares são tubos bem finos que ligam o fígado ao intestino.

“A falta de interação destas proteínas está presente no ambiente pró-inflamatório no fígado com fibrose, o que pode tornar a doença pior”, disse Paul Satdarshan Monga, professor do Departamento de Medicina e Patologia da Universidade de Pittsburgh, que é o autor principal do estudo. 

Os achados foram demonstrados no estudo “Interações beta-catenina-NF kappaB-CFTR em células colangiócitos regulam a inflamação e a fibrose durante a reação ductular”, publicado na revista eLife

O porquê do fígado ser afetado em alguns pacientes com fibrose cística ainda não é bem entendido. O grupo de pesquisadores da Universidade de Pittsburgh está investigando essa relação e observando como a expansão de células epiteliais biliares está associada com inflamação e fibrose, seguido de injúria ou doença no fígado, o que normalmente leva a um importante processo de reparo.

Os pesquisadores criaram dois modelos com camundongos diferentes usando ferramentas genéticas. Um modelo animal (KO1) não produzia a proteína beta-catenina em todas as células do fígado (hepatócitos e BECs), e o outro modelo animal (KO2) não produzia beta-catenina somente nos hepatócitos (principais células do fígado). A proteína beta-catenina é bem conhecida por exercer um papel principal na proliferação dos hepatócitos, permitindo assim, o seu reparo em alguma situação de injúria ou doença.

Os camundongos dos dois modelos foram expostos por duas semanas a uma dieta especial (sem a presença do composto colina e com aditivo do componente etionina), o que leva a um dano no fígado. Em seguida, deixaram os animais se recuperarem, oferecendo alimentação normal. Os animais foram estudados 2 semanas, 3 meses e 6 meses após a dieta. Nos dois modelos animais, os pesquisadores verificaram uma diminuição na morte das células, na inflamação e na fibrose do fígado, o que não foi observado em ratos sem alteração genética. Entretanto, os dois modelos genéticos pareceram se recuperar de forma diferente. 

Duas semanas após a mudança da dieta para a alimentação normal, os camundongos KO1 continuaram a mostrar problemas no fígado devido à proliferação das células hepatócitos. Mesmo após 6 meses de término da dieta, os camundongos KO1 mostraram evidências de uma reação ductular progressiva – uma reação induzida pela injúria no fígado – o que está associada com inflamação e fibrose. Esses achados sugerem uma morfologia próxima do que é verificada em pessoas com fibrose cística.

As análises dos níveis de beta-catenina e da atividade do gene Ctnnb1, que produz a beta-catenina, mostraram uma ausência da proteína após 06 meses de dieta em camundongos KO1. Por outro lado, nos camundongos sem alteração genética que também receberam a dieta diferenciada, a proteína beta-catenina foi detectada e a fibrose do fígado foi “curada” após duas semanas com alimentação normal. 

Uma diferença ainda maior foi observada em camundongos KO2 após mudarem para a alimentação normal. Após seis meses, a fibrose no fígado parece ter resolvido e a análise dos níveis do gene Ctnnb1 foi comparável com os camundongos sem modificação genética. A reação ductular também foi reparada nos camundongos KO2 após 6 meses, porém, não após 3 meses.

“Nós observamos respostas diferentes nos dois modelos genéticos estudados. Os camundongos KO2 demonstraram um reparo progressivo por meio da expansão das células BEC positivas para beta-catenina e a resolução da inflamação e da fibrose”, disseram os pesquisadores. 

A falta da proteína beta-catenina nas células BECs dos camundongos KO1 causou uma ativação sustentada da proteína NK kappa B – um regulador crucial nas respostas imunes e inflamatórias – na presença da injúria levando a uma inflamação ainda maior. O NF kappa B é ativado por meio da interação da proteína beta-catenina com a subunidade p65 da proteína NF kappa B. Por outro lado, os camundongos KO2 que tinham essa proteína ausente somente nos hepatócitos, mas não nas células BECs, o complexo beta-catenina-p65 foi apto a reestabelecer, prevenindo assim, a ativação crônica do NF kappa B. 

O modelo KO2 demonstrou uma repopulação gradual das células do fígado e a resolução da injúria, que o modelo KO1 não foi capaz de fazer. Após esse estudo, os pesquisadores começaram a trabalhar com amostras de fígado de diferentes pessoas, incluindo com fibrose cística, para determinar se a interação observada em camundongos e nas células estudadas poderia ser replicada em humanos. Especificamente, eles estavam observando como a p65 e a beta-catenina podiam interagir com a proteína CFTR. 

Desligando ou parando a expressão do gene CFTR de forma que nenhuma proteína CFTR seja produzida, levou a uma ativação pronunciada de p65, observaram os pesquisadores. Os tecidos de fígado de pacientes com fibrose cística também demonstraram ter níveis mais baixos que o normal de beta-catenina. “Fazer um experimento e conseguir observar e confirmar pela primeira vez que o que nós verificamos nos camundongos também pode ser observado em pessoas com fibrose cística é muito empolgante” disse Shikai Hu, autor do estudo. 

Baseado nesses resultados, os pesquisadores sugerem que a proteína CFTR funciona como uma âncora molecular, interagindo com a beta-catenina e a p65 para evitar sua ativação. Quando o CFTR está ausente ou defeituoso, como observado na fibrose cística, essas proteínas ficam ativas e induzem a inflamação progressiva e a fibrose no fígado. 

Os autores concluíram que uma nova interação beta-catenina-NF kappa B-CFTR em células BECS, e sua interrupção, pode contribuir para patologias hepáticas na fibrose cística. Também, mais estudos são necessários para entender as mudanças moleculares causadas pela fibrose cística no fígado. 

Fonte: https://cysticfibrosisnewstoday.com/2021/10/15/cf-liver-disease-linked-cftr-protein-problems-study-suggests/

Traduzido por: Mariana Camargo, biomédica, PhD e mãe da Sofia, diagnosticada com fibrose cística.

Revisão: Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, fundadora e diretora executiva do Unidos pela Vida, diagnosticada com fibrose cística aos 23 anos. Psicóloga, especialista em análise do comportamento, tem MBA em Direitos Sociais e Políticas Públicas e Mestranda em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Avaliação de Tecnologias de Saúde pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.

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