Tratamento da fibrose cística e acompanhamento no Centro de Referência devem continuar mesmo após o início do uso dos moduladores
Comunicação IUPV - 20/09/2023 10:07No Brasil, dois moduladores da proteína CFTR já receberam recomendação final favorável para incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS): o ivacaftor (Kalydeco) e o elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta). O primeiro já está sendo dispensado aos pacientes elegíveis desde 2022, e apesar do processo para dispensação do Trikafta via SUS ainda estar em andamento, muitas pessoas com fibrose cística já fazem uso dessa medicação via judicial, assim como do lumacaftor/ivacaftor (Orkambi) e do tezacaftor/ivacaftor/ivacaftor (Symdeko).
Apesar do comprovado impacto positivo na redução dos sintomas e no aumento da qualidade de vida para os pacientes elegíveis a esses medicamentos, muitos profissionais da saúde que atuam nos Centros de Referência em todo o Brasil estão notando que pacientes e familiares estão interrompendo outras etapas do tratamento, que devem continuar mesmo após o início do uso dos moduladores, como a fisioterapia respiratória e as inalações.
Antes de abordar essa questão, Dra. Luciana Monte, coordenadora da Pneumologia Pediátrica e do Centro de Referência de Fibrose Cística do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB), relembra que não são todas as pessoas com fibrose cística que são elegíveis aos moduladores.
“Já existe uma discussão sobre quando a utilização do modulador deve ser recomendada. A tendência atual, a qual concordo, é de se indicar o uso tão logo seja possível, desde que a pessoa com fibrose cística tenha as mutações, peso e idade que respondem a cada medicamento proposto. Eles são capazes de não somente ‘parar’ a progressão da doença, mas também melhorar a função pulmonar, a nutrição, a qualidade de vida e a sobrevida”, afirmou Dra. Luciana.
Apesar de não serem todas as pessoas com fibrose cística que são elegíveis aos moduladores disponíveis atualmente, Dra. Luciana ressalta que os pesquisadores estão estudando muito para conseguir outros tratamentos para os pacientes que ainda não estão contemplados com essas tecnologias.
“Vemos em Congressos nacionais e internacionais que existem muitas pesquisas em desenvolvimento hoje em dia e que buscam trazer cada vez mais medicamentos para que todas as pessoas com a doença possam ser elegíveis a esses novos tratamentos. Isso traz muita esperança!”.
O que se altera na rotina de tratamento?
Dra. Luciana relembra que a rotina de tratamento de quem tem fibrose cística pode ser cansativa, pois envolve diversas etapas que podem variar de pessoa para pessoa. Sendo assim, a redução dessa sobrecarga sempre é vista como uma necessidade e prioridade pelas famílias e profissionais da saúde.
“Apesar disso, por enquanto, ainda não podemos orientar a retirada de alguma terapia ou tratamento após o início do uso dos moduladores. Estamos estudando isso melhor e olhando com cautela. Em breve teremos os resultados de alguns estudos que irão nos embasar de forma mais segura se podemos retirar medicamentos e quando será esse momento de retirada.”
Dra. Luciana acredita que a redução das etapas do tratamento é o futuro, especialmente para as pessoas que têm manifestações mais leves da fibrose cística, mas que ainda não existem dados que tornem essa redução uma realidade atualmente.
“Sabemos que a ansiedade de retirar alguns tratamentos é grande, especialmente porque vemos que as pessoas melhoram bastante dos sintomas com o uso dos moduladores, ficando até difícil de entender o motivo de manter o uso de algumas terapias. Mas precisamos ter calma e persistência, conhecer melhor a resposta do organismo a essas novas terapias. Em breve teremos mais dados e mais segurança para nortear essa conduta.”
Com o início da terapia com moduladores, alguns exames também precisam ser realizados com mais frequência. “É preciso, por exemplo, realizar exames de sangue para avaliar o fígado e outros marcadores, bem como uma revisão da resposta do tratamento com o Teste do Suor e demais exames complementares nos primeiros meses do tratamento. Assim, podemos verificar a segurança e a resposta de cada pessoa e, dessa forma, traçar as estratégias individualmente.”
Fisioterapia e atividade física após o uso dos moduladores
Muitas pessoas com fibrose cística e familiares têm dúvidas sobre a continuidade da realização de exercícios físicos e fisioterapia respiratória após o uso dos moduladores. Dra. Luciana relembra que a prática de atividades físicas independe do uso de moduladores, pois é algo benéfico, relacionado à saúde física e mental para todas as pessoas, e isso não deve mudar.
“Quanto à fisioterapia respiratória, é importante conversar com o profissional que atende cada indivíduo, pois devem ser feitos ajustes e buscadas estratégias diferentes que não fiquem ‘apenas retirando o muco’ dos pulmões, pois com o uso dos moduladores não acontece esse acúmulo de muco como antes. Mas isso já é uma recomendação das novas técnicas utilizadas na fisioterapia moderna. É o mesmo que ocorre naquelas pessoas com sintomas leves, independentemente do uso dos moduladores. A fisioterapia tem um papel importante, devendo ser utilizadas estratégias individualizadas.”
Acompanhamento no Centro de Referência
Dra. Luciana também reforça a importância das pessoas com fibrose cística e familiares seguirem com as consultas e exames de rotina realizados nos Centros de Referência em todo o Brasil.
“No nosso Centro aqui em Brasília/DF, temos feito consultas mais frequentes logo que iniciamos os moduladores. Assim podemos ‘sentir’ e monitorar melhor as respostas de cada paciente, esclarecer as dúvidas que possam aparecer e coletar alguns exames para avaliar a segurança e a eficácia desses medicamentos. Isso nos primeiros três meses. Depois, vamos retomando a rotina habitual. As crianças e adolescentes que temos acompanhado no nosso Centro de Referência estão apresentando excelentes respostas!”
Para Dra. Luciana, a Ciência ainda está buscando as respostas sobre quando interromper outros tratamentos após o uso dos moduladores, bem como o que acontece com essa interrupção. E enquanto ainda buscamos estas respostas, é prudente não interromper as terapias já utilizadas por dois motivos.
“Primeiro, para realmente atingirmos os benefícios máximos dessa combinação de tratamentos. Segundo, pelo risco de termos alguma piora clínica, exacerbações pulmonares, perda de nutrientes, dentre outros problemas, levando à suspeita de que os moduladores não estejam funcionando e, com isso, a suspensão prematura dos mesmos”, explicou Dra. Luciana.
A coordenadora do Centro de Referência de Fibrose Cística do Hospital da Criança de Brasília José Alencar deixa um recado para as pessoas com fibrose cística e familiares que visualizaram essa matéria.
“Converse com a equipe do seu Centro de Referência sobre isso, não suspenda por conta própria os tratamentos convencionais até que alguns dados adicionais sejam avaliados, pois assim conseguiremos fazer essas mudanças de forma mais segura. Estou certa de que estamos numa nova era, super impactante, emocionante e empolgante. Acredito que sim, vamos conseguir reduzir a sobrecarga do tratamento da fibrose cística, mas precisamos ainda ter bastante calma nesse momento.”
Relato de vida real
Elizângela Lopes é mãe da Sophia, de oito anos e diagnosticada com fibrose cística. Ela realiza o acompanhamento no Centro de Referência para a doença do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba/PR. Em maio de 2023, Sophia iniciou o tratamento com o Trikafta.
“Com o uso do novo modulador, as consultas estão sendo acompanhadas de maneira contínua, bem como a realização periódica de exames, como cultura de escarro, raio-x, tomografia e ultrassom. Todos estes exames são realizados com o objetivo de acompanhar a evolução do Trikafta no organismo dela”, explicou Elizângela.
Para a mãe de fibra, seguir com todas as etapas recomendadas pela equipe médica, aliadas com o uso do modulador, é fundamental para que Sophia tenha cada dia mais saúde e qualidade de vida.
“Seguir com todo o tratamento é primordial, pois não podemos abrir mão de nenhum cuidado e muito menos da medicação. Com a chegada do Trikafta, a vida dela mudou completamente para melhor. É impressionante a alteração após o início do tratamento com este medicamento. Ela ganhou peso, estatura e disposição. Teve uma melhora muito significativa na qualidade de vida e não queremos perder isso por deixar de lado outras etapas que são fundamentais neste processo. Seguimos fazendo todo o tratamento e acompanhamento no Centro de Referência, como fazíamos antes da chegada do modulador”, finalizou Elizângela.
Quem é elegível aos moduladores?
O registro do elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta®) foi aprovado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) somente para uso em pessoas com fibrose cística com 6 anos de idade ou mais e que tenham pelo menos uma mutação F508del no gene regulador da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR), e que tenham indicação médica para utilização. Este medicamento já recebeu recomendação final favorável para incorporação no SUS. Relembre clicando aqui.
Além de receber indicação médica para o uso, são elegíveis ao ivacaftor (Kalydeco), de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, pessoas com diagnóstico clínico e laboratorial de fibrose cística e com idade igual ou maior de seis anos e, pelo menos, 25 quilos, que apresentem uma das seguintes mutações de gating (classe III) no gene regulador da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR): G551D, G1244E, G1349D, G178R, G551S, S1251N, S1255P, S549N ou S549R. O Kalydeco já está disponível no SUS. Relembre aqui.
Para o lumacaftor/ivacaftor (Orkambi), foi solicitada a incorporação com indicação para pacientes com 6 anos de idade ou mais e que são homozigotos para a mutação Delta F508 no gene CFTR. O medicamento recebeu recomendação final desfavorável para incorporação no SUS. Saiba mais clicando aqui.
O tezacaftor/ivacaftor (Symdeko) foi aprovado pela Anvisa para o tratamento da fibrose cística em pessoas com 12 anos de idade ou mais que tenham duas cópias da mutação F508del, ou que tenham uma cópia da mutação F508del e pelo menos uma das seguintes mutações no gene da FC: P67L, D110H, R117C, L206W, R352Q, A455E, D579G, 711+3A→G, S945L, S977F, R1070W, D1152H, 2789+5G→A, 3272-26A→G, e 3849+10kbC→T. O Symdeko também recebeu recomendação final desfavorável para incorporação no SUS. Relembre clicando aqui.
Em caso de dúvidas sobre a utilização e indicação dos moduladores, converse com a equipe médica que faz o seu acompanhamento no Centro de Referência.
Por Kamila Vintureli
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Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.