Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.
Nutrição por Gastrostomia em Pacientes com Fibrose Cística
Instituto Unidos pela Vida - 19/06/2017 17:30Sabemos que a nutrição tem papel essencial na sobrevida e qualidade de vida de pacientes com Fibrose Cística.
Em alguns casos, para alcançar um estado nutricional adequado é indicado que o paciente faça a Gastrostomia, que consiste em um orifício criado artificialmente na altura do estômago para a introdução de alimentos.
Leia a entrevista que o Unidos pela Vida realizou com a Dra. Mônica Müller Taulois, gastroenterologista do Ambulatório de Fibrose Cística de Adulto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e saiba mais.
Unidos pela Vida: O que é e como é feita a Gastrostomia?
Dra. Mônica: É um procedimento para a colocação de um bóton, que fica entre o estômago e a pele. Pode ser feita de duas maneiras, através de endoscopia ou cirurgia. A maioria das pessoas pode fazer só pela endoscopia, é um procedimento muito simples. A pessoa faz, acorda e no outro dia vai embora.
O paciente fica anestesiado, faz uma endoscopia, ilumina por dentro do estômago, ilumina a pele e você vê na pele o local onde será aplicada uma agulha. Essa agulha ajuda como se fosse um caminho por onde a sonda será passada. Ou você passa pelo endoscópio ou passa pela sonda mesmo. Prende inicialmente uma sonda no abdômen, na barriga e durante um tempo vai haver uma cicatrização entre o estômago e a pele, formando um túnel cicatrizado, completamente cicatrizado. Depois, você tira essa sonda e substitui por um bóton, como se fosse aquela tampinha que tem no pino de um boneco inflável, onde você abre a tampa e assopra.
Sabe aquela coisinha que você tampa? Mais ou menos aquilo, bem pequenininho, fica discreto. Com isso, a pessoa pode comer o que ela quer, o que ela consegue e o restante, necessário para ela ficar bem nutrida, será passado pela gastrostomia. Essa dieta pode passar durante duas horas, durante três horas, durante o período noturno, durante o sono de uma criança ou durante o dia. Se consegue passar uma dieta líquida, hipercalórica, hiperproteica, sem que exija da criança e do adulto essa aceitação. E isso acaba conseguindo colocar esse paciente nas quantidades necessárias de calorias e evitar ou reverter o processo de desnutrição.
Unidos pela Vida: Em quais casos a Gastrostomia é indicada?
Dra. Mônica: A gastrostomia é indicada nos casos em que o paciente tem dificuldade de ingerir a quantidade necessária de alimento, e não o faz por dificuldades na aceitação. A terapia de reposição de enzimas pancreáticas é imprescindível mesmo com o uso da gastrostomia. Além da insuficiência pancreática outras causas podem interferir no processo de digestão e absorção dos alimentos. São inúmeros motivos: um processo inflamatório intestinal, que compromete a permeabilidade do intestino; alterações às vezes alérgicas; deficiências de vitaminas; problemas com os ácidos biliares.
Para suprir as necessidades calóricas das crianças e adultos com Fibrose Cística é muito importante ter uma quantidade muito maior do que a habitual de alimento. Quando não conseguimos fazer isso pela via oral, o resultado é a desnutrição.
Quando uma criança ou adulto começa a ficar desnutrido, muitas vezes associado a exacerbações da doença pulmonar, existe uma tentativa de resolver o problema usando dietas hipercalóricas, aumentando a frequência, até chegar num limite em que essa dieta vira uma tortura. A criança, por exemplo, está cheia de secreção, está agudizada, tem uma doença pulmonar mais importante, não tem vontade de comer e mesmo comendo, quando come, fica muito enjoada. Esse é um momento muito grave, precisamos evitar chegar nesta condição.
Unidos pela Vida: Como é a aceitação do procedimento pelos pacientes?
Dra. Mônica: Existe uma cultura de que só se faz uma gastrostomia quando o paciente está em estado muito grave e vai morrer. E é exatamente ao contrário. Todos os outros países são muito mais invasivos nessa conduta em relação à nutrição, protegendo a pessoa da desnutrição.
Unidos pela Vida: Existe outra opção nos casos de desnutrição?
Dra. Mônica: Sim! É uma dieta enteral que consiste em passar uma sonda pelo nariz do paciente para poder alimentá-lo enquanto ele está internado, durante um processo de agudização, fazendo antibiótico na internação. Ele pode ficar com essa sonda, pode ir pra casa. Pode! Mas não é o ideal.
Unidos pela Vida: Como é o progresso nutricional dos pacientes que fazem uso da Gastrostomia?
Dra. Mônica: Depende. Se a gastrostomia for feita em uma criança que já está muito desnutrida, com uma doença pulmonar muito grave, vamos conseguir manter o mínimo pra ela. Agora se ela for feita em uma criança que está começando a desnutrir, que ainda tem uma boa função pulmonar, você consegue reposicionar no canal de crescimento. No caso do adulto, tentamos leva-lo para um IMC considerado adequado para pessoa com Fibrose Cística, de 21 Kg/m2 para as mulheres e 23 Kg/m2 para os homens.
Existem motivos para uma criança não ganhar peso, mas geralmente quando a gastrostomia é feita, esses motivos já foram identificados. Mas, por exemplo, em um dos casos que é uma alergia alimentar, é muito difícil para uma criança aceitar leites próprios para o tratamento, que tem um sabor ruim. Sem considerar ainda que são leites caros e as vezes precisam ser judicializados. Existem momentos que não dá para negociar sabor. As vezes a dieta é o tratamento e nesse caso ter uma gastrostomia faz toda diferença.
Unidos pela Vida: A administração da dieta por Gastrostomia precisa ser feita por um especialista?
Dra. Mônica: Não. Ela é completamente treinável. O pai e a mãe podem fazer perfeitamente. Quando os pais tem convênio, eu peço um atendimento domiciliar com bomba de infusão, para que a mãe possa fazer uma infusão lenta, principalmente no período noturno.
Em 15 dias, ela abandona aquela bomba de efusão, usa uma seringa de 50 ml, coloca lá a dieta e passa em 15 ou 20 minutos. A criança tolera bem. Lógico, tem criança que irá se sentir desconfortável. Claro, existem várias complicações inerentes ao procedimento que podem acontecer. Mas, quando dá certo, sem problemas, é transformador para a vida da mãe e, principalmente, para a vida da criança que não precisa ficar o tempo todo comendo. E quanto a isso, também pra vida do adulto.
Por exemplo, eu tenho uma paciente que é casada, tem uma filha de 4 anos e estava muito emagrecida, tinha um IMC de 16 Kg/m2, com uma doença pulmonar grave. Ela já não conseguia fazer as coisas dentro de casa. Extremamente vaidosa, sempre se cuidou muito, uma mulher muito bonita e nunca quis fazer gastrostomia. Primeiro por ser um procedimento invasivo e, segundo, porque tinha essa imagem do fim de vida.
Enfim, após uma internação por agudização, ela fez a gastrostomia. Ganhou 8 kilos em 1 mês e meio. Mudou a vida dela, mudou a disposição. E aí, ela fala: – Se eu soubesse teria feito antes! Eu nunca ouvi o contrário dessa fala.
Agora nos casos em que a criança tem gastrostomia e não ganha peso, é preciso entender o que está acontecendo. Ou precisa mudar a dieta, ou é uma alergia, ou então não foram investigadas causas como doença celíaca, doença inflamatória intestinal, ou uma disbiose intestinal que causa uma inflamação crônica. Ou então a criança tem uma doença pulmonar muito grave, que tem um gasto energético muito grande, difícil compensar.
Unidos pela Vida: Como é realizado o acompanhamento depois de colocado o bóton?
Dra. Mônica: É feito um planejamento inicial. Eu vejo meus pacientes semanalmente e falo com eles, na primeira semana, todos os dias, pelo celular mesmo. Às vezes, não tem dúvida nenhuma mas está angustiado porque dói. É lógico que dói, porque está inflamado num processo de cicatrização normal. Mas se está doendo e você fala para o paciente que é normal, fica tranquilo que na semana que vem estará melhor; isso basta pra suportar a dor até a semana que vem. O problema é sentir a dor, não conseguir falar com ninguém e não saber se aquela dor ali é porque “vai cair a barriga” ou se é normal.
Acho que esse acompanhamento/ proximidade no início para esclarecer as dúvidas, tendo um serviço de nutrição para acompanhar a dieta; o serviço de cirurgia pois, às vezes, por essa gastrostomia existem complicações, é fundamental.
Uma complicação é que o bóton pode ficar um pouco frouxo e extravasar suco gástrico. Então acaba fazendo como se fosse uma dermatite, uma assadura em volta do bóton e isso é uma coisa muito chata que dói, que incomoda, que tem que precisa ser tratado.
Em resumo, podem acontecer complicações, não é isento, mas não é habitual. Os profissionais que realizam o procedimento são muito experientes.
Unidos pela Vida: Como é feita a definição da dieta? Essa dieta é acessível?
Dra. Mônica: Tem que ser uma conversa entre a gastroenterologista, a nutricionista e o nutrólogo.
Existem dietas de todos os tipos. Pode ser necessário o uso de dietas especiais para alergia alimentar ou mesmo para facilitar a digestão e absorção. Então uma dieta destas custa em média R$ 150,00 uma latinha de 400 gramas que para uma criança pequena não dura 3 dias. Nessas condições, a dieta pode fazer parte da grade de dispensação e se não fizer é necessário recorrer a judicialização. Na medicina privada pode-se solicitar para o convênio, que é um direito.
Mas, para crianças sem complicações, pode-se fazer a dieta de almoço e jantar modulada em casa, batida no liquidificador. Não é o ideal, mas é possível. O resultado é o mesmo, porém a criança é exposta a mais riscos. A mãe precisa ter muito cuidado com a higiene e seguir rigorosamente a orientação da nutricionista/nutrólogo. O ideal é usar um sistema fechado, uma dieta pronta que vai evitar contaminação, que é completamente equilibrada. Esse é o ideal e é por isso que devemos lutar.
Confira os depoimentos de pacientes com Fibrose Cística que fazem nutrição por Gastrostomia:
Elaine Magalhães, 31 anos, tem Fibrose Cística e é mãe de uma menina de 6 anos
“No início, como tudo o que é diferente, tem o período de adaptação. Mas agora é melhor pelo fato de eu não ter aquela necessidade de estar comendo para não perder peso. Melhorou muito a questão nutricional e as infecções diminuíram. A capacidade pulmonar melhorou.”
Lise Schomaker Maurell, mãe de um menino de 5 anos com Fibrose Cística