O acesso aos moduladores para fibrose cística: que esperança temos e o que podemos fazer?
Comunicação IUPV - 16/11/2022 14:16Há dez anos, o Brasil acompanhou a aprovação nos Estados Unidos do primeiro modulador da proteína CFTR, que realizou uma verdadeira quebra de paradigmas no tratamento da fibrose cística (FC) possibilitando uma vida nova para as pessoas com FC no mundo. Este modulador, o ivacaftor (nome comercial Kalydeco), foi aprovado em nosso País, pela Anvisa, somente em 2018. Na sequência, foi recomendado para incorporação no SUS no final de 2020, e finalmente, em outubro de 2022, passada uma década desde sua aprovação no país de origem, os pacientes brasileiros que tinham indicação, prescrição e que eram elegíveis para a medicação passaram a receber essa fundamental inovação tecnológica pelo SUS.
No país, estima-se que em torno de 50 pessoas com fibrose cística sejam elegíveis para receber esta medicação e já se ouve relatos emocionantes acerca das mudanças radicais sentidas por aqueles que antes tinham dificuldade para respirar e outras complicações, mas que agora começam e experimentar os benefícios das terapias inovadoras para fibrose cística, como por exemplo deixar fila de transplante, gestar, viver com fôlego nunca sentido.
Além do ivacaftor, outras duas terapias já foram avaliadas, mas infelizmente receberam recomendação desfavorável para disponibilização pelo SUS: O lumacaftor/ivacaftor, de nome comercial Orkambi, e o tezacaftor/ivacaftor, de nome comercial Symdeko. Estas duas, por sua vez, também contemplavam pessoas com FC que apresentassem duas cópias da mutação DF508, considerada como uma das mais comuns na doença, e, no caso do Symdeko, também outras mutações de função residual.
Agora, a esperança para esta população que tem pelo menos uma cópia da mutação DF508, é a tripla combinação – elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor, de nome comercial Trikafta. Desde que a terapia tripla foi aprovada pelo FDA (food and drug administration), órgão regulatório americano, em 21 de outubro de 2019, o mundo inteiro está com os olhos voltados para o acesso à esta medicação que promete mudar radicalmente a vida daqueles que tiverem indicação de uso. No Brasil, em torno de 1.500 pessoas poderão fazer uso desta medicação, que foi aprovada pela Anvisa em 02 de março de 2022 para pacientes com 6 anos de idade ou mais que tenham pelo menos uma mutação F508del no gene regulador de condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR).
Relembrando o acesso aos medicamentos no Brasil
Depois que a medicação tem o registro aprovado no Brasil junto à Anvisa, ele precisa receber o preço máximo para comercialização no país e, posteriormente, o demandante precisa submeter para a avaliação de incorporação no SUS. O medicamento Trikafta recebeu recentemente sua precificação e aguarda submissão da indústria para a Conitec.
Limiar de custo-efetividade
Paralelamente a aprovação do preço do Trikafta no Brasil, está em fase de implementação o novo limiar de custo-efetividade (LCE) aprovado recentemente e publicado no último dia 6 de novembro pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). A proposta de uso de limiares de custo-efetividade nas decisões em saúde recebeu recomendação final de aprovação pela Conitec na 112ª Reunião Ordinária, no dia 31 de agosto, após passar por consulta pública e ser objeto de audiência pública, no mesmo mês, promovida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS/SCTIE/MS). O LCE é um parâmetro para melhor compreender o impacto na eficiência de um sistema de saúde gerado pela incorporação de uma tecnologia nova em relação às existentes.
Em casos excepcionais, como em doenças raras, o valor pode chegar a 3 PIB per capita (aproximadamente R$ 40.688,00, sendo 3 PIB per capita o equivalente a aproximadamente R$ 122.000,00 por ano, por paciente). E no cenário das novas terapias para FC, e certamente para tantas outras medicações para doenças raras, isso é absolutamente desfavorável.
O mundo clama por uma redução de preços: E o Brasil também!
Há alguns anos, iniciou-se um movimento chamado Vertex Save Us, com objetivo de obter acesso aos moduladores, onde os membros da campanha apelam os seguintes objetivos para a Vertex Farmacêutica, indústria fabricante destes moduladores:
- Fornecer tratamento gratuito àqueles pacientes com estágio mais grave da doença, independentemente de onde morem;
- Disponibilizem os moduladores CFTR em todos os países com a devida aprovação regulatória, sem demora;
- Precifique todos os moduladores CFTR em níveis acessíveis e proporcionais à situação de cada país;
- Nos países onde a Vertex não tem um plano de curto prazo para fornecer seus medicamentos, facilite o fornecimento de genéricos por meio de acordos de licenciamento voluntário abertos e transparentes e fornecendo todos os dados relevantes de testes e outros.
É um movimento forte, como uma resposta resistente aos preços abusivos dos moduladores praticados pela indústria.
E no Brasil?
Pacientes que hoje fazem uso da tripla combinação no Brasil conseguiram acessar a mesma somente via medida judicial. Contudo, nota-se que também nesta esfera “ganhar não é levar”. Dezenas de relatos de pacientes que tiveram suas liminares aprovadas revelam uma espera de meses e até anos pelo recebimento das primeiras caixas.
E, com relação à disponibilização pelo SUS, ainda se faz necessária a submissão do pedido de avaliação da incorporação, consulta pública e decisão final. A preocupação do momento é, justamente, com relação ao preço do medicamento versus o limiar de custo-efetividade recém aprovado. O preço precisa reduzir drasticamente para que tenha chance de ser incorporado ao SUS.
O Instituto Unidos pela Vida concorda com o pedido global pela redução de preço dos moduladores, considerando sua relevância para os pacientes com fibrose cística no Brasil, sua evidência e eficácia amplamente comprovada e pela possibilidade de oportunizar uma nova vida às pessoas que têm fibrose cística no país. Além de marcar o imenso retorno financeiro que a farmacêutica vem obtendo com a comercialização dos moduladores, entendendo que existe margem para uma ampla redução do preço dos moduladores viabilizando que países em desenvolvimento possam disponibilizar esses moduladores em seus sistemas de saúde.
Fontes:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-re-n-627-de-24-de-fevereiro-de-2022-383105137
Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, fundadora e diretora executiva do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, diagnosticada com fibrose cística, mestranda pela UFPR em Ciências Farmacêuticas com ênfase em avaliação de tecnologias de saúde
Marise Basso Amaral, diretora geral do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, Professora da UFF, pós-doutora pela Fiocruz, Doutora e Mestre em educação
Quer fortalecer o trabalho realizado pelo Unidos pela Vida? Clique aqui e escolha a melhor forma de fazer uma doação.
Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.