O papel dos fisioterapeutas nas crianças com Fibrose Cística assintomáticas

Instituto Unidos pela Vida - 05/06/2017 11:19

Por Dra. Hilda Jimenez, Colunista Científica de Fisioterapia do Instituto Unidos pela Vida

Professora Adjunta do Departamento de Fisioterapia UFMG (aposentada); Master of Science Queen’s University Canadá; Personal Contact of International Group of Physiotherapy; Autora de capítulos de livros e do livro Conceitos Básicos  de Fisioterapia  Respiratória na Cirurgia Cardíaca; Fisioterapeuta voluntária da Associação de Fibrose Cística de Minas Gerais e Membro do Conselho Científico da AMAM-MG.

a25bffbdf54c4e47721ec4b08eaa253cSabemos que existem muitas controvérsias em relação ao papel da fisioterapia respiratória. Por ser considerada como sinônimo de desobstrução brônquica, ela pode parecer irrelevante nos bebês assintomáticos, mas não é.

São considerados bebês assintomáticos aqueles com diagnóstico confirmado para a fibrose cística, mas sem sintomas respiratórios. São bebês com radiografia normal que não apresentam ruídos; o choro e a tosse induzidos apresentam sons claros, com padrão normal respiratório, frequência respiratória e oximetria normais.    

Porém, as pesquisas mostram que, mesmo na ausência de sinais clínicos respiratórios, recém-nascidos que foram a óbito por problemas de mecônio  mostraram em seus exames histopatológicos (estudo de como uma doença específica afeta um conjunto de células) um aumento das glândulas submucosas, os ductos apresentavam tampões mucosos no período pré-natal.

Sinais de inflamação, infecção e anormalidade das estruturas das vias aéreas foram encontrados em 48 bebês aos 3 meses, sem sintomas respiratórios. 12 deles apresentaram infecção bacteriana, células inflamatórias e aumento da atividade da elastina dos neutrófilos, levando a um dano estrutural do pulmão.

Esses dados foram confirmados através das observações da tomografia computadorizada com os resultados de dilatação brônquica, parede bronquial espessada e retenção de ar em 46 dos 48 bebês observados.

Estas mudanças nem sempre estão acompanhadas da produção de escarro que justifiquem a desobstrução brônquica. Assim, como até o presente momento não existem evidências de que a fisioterapia de depuração brônquica diminui o processo inflamatório, o papel da depuração brônquica parece ser desnecessário.

Porém, existem estratégias que estimulem o fluxo aéreo das diferentes áreas pulmonares, estabilizando a caixa torácica nas mudanças de decúbitos.

Diferenças fisiológicas do sistema respiratório dos infantes

Para estimular os bebês aparentemente assintomáticos, é necessário ter conhecimento do sistema respiratório dos bebês em geral, bem como das alterações patológicas provocadas pelo desequilíbrio iônico nas vias aéreas dos fibrocísticos.

São características comuns desses bebês: eles passam quase todo o dia dormindo, deitados de costas, com pouco suporte para as costelas que são  cilíndricas e cartilaginosas e com um diafragma suscetível a fadiga pela falta de fibras oxidativas (10% fibras tipo 1 lentas e proporcionalmente mais porcentagem de fibras tipo II rápidas).

O sono passa grande parte em sono REM (rapid eye movement) que desestabiliza os intercostais, provocando movimentos paradoxais das costelas, com um decréscimo da capacidade funcional respiratória (CRF), baixa da pressão parcial do oxigênio, aumento do trabalho do diafragma e do metabolismo.

Em relação à ventilação/perfusão nos infantes, isso ocorre nas áreas superiores, o que fundamentaria a não manipulação dos bebês exagerada.

Como todo RN, o infante assintomático deve evitar refluxo evitando ingestão de grandes volumes, uma vez que o esôfago é estreito e curto, com musculatura de suporte imatura, o que facilita o vômito. Sugere-se berço com cabeceira elevada em mais ou menos 15 graus.

Assim, por ser o bebê respirador nasal, deve-se manter as narinas limpas.

O quarto do bebê deve ser ensolarado, sem mofo e poeira, em caso de dias com baixa umidade do ar colocar um nebulizador ambiental.

Deve-se evitar resfriamentos bruscos, mantendo cobertas as áreas da gordura marrom que são as responsáveis termogênicas dos bebês.

Os decúbitos laterais devem estar com um suporte nas costas, acompanhando a forma do corpo (sensação de aconchego como dentro do ventre da mãe).

Trocar a posição alternando os lados para modificar as áreas ventiladas com objetivo de estimular os cílios que deslocam o muco, evitando tampões mucosos.

Toda manipulação tem como objetivo estimular ventilação/perfusão, mas primeiramente deve ser prazerosa, tanto para o bebê como para os pais.

A abordagem fisioterápica tem que ser abrangente e lúdica sem caracterizar  um tratamento. Os pais são orientados a brincar com o bebê sem angústia e sem ansiedade ao realizar os movimentos e pressões torácicas indicados com objetivos preventivos.

A compressão do tórax tem por objetivo dirigir o fluxo aéreo a diferentes áreas do pulmão, aproveitando a elasticidade da caixa torácica do recém-nascido. Essas compressões podem ser feitas apenas comprimindo a parede torácica de um hemitórax (termo usado para indicar uma das metades/ hemisférios do tórax – esquerdo ou direito), ou elevando as pernas contra o peito na troca de fralda e no banho. Nesse momento pode-se aproveitar para fazer uma prega, de leve, nas costelas inferiores e observar como se expande essa área quando a prega se desfaz. Repetir se o bebê não se incomodar.

Muitos membros da equipe multidisciplinar pensam que o tratamento desobstrutivo deve iniciar-se com o diagnóstico. Considerando que nem todo RN manifesta os sintomas de início, recomenda-se desde o diagnóstico começar o tratamento desobstrutivo das vias aéreas. Assim o infante aceitará o tratamento como parte da rotina diária e os pais passariam a ter a capacidade de detectar precocemente os sinais respiratórios.

Em um manifesto dos fisioterapeutas com muitos anos de prática no tratamento de crianças com FC, de diferentes centros do Reino Unido, afirma-se que: “Todo RN com diagnóstico de FC deve ser encaminhado ao serviço de fisioterapia para avaliação, primeiro suporte aos pais com acompanhamento ambulatorial.”

No referente às técnicas desobstrutivas, não há um consenso pela  dificuldade de justificar um tratamento diário dos infantes assintomáticos. Porém, há o consenso na abordagem holística mais flexível e honesta, enfatizando o desenvolvimento motor, sem descuidar do sistema respiratório.

Os pais devem ser sempre incluídos no treinamento das técnicas desobstrutivas para aprenderem a identificar os sinais e os sintomas respiratórios.

Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

Referências:

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Imagem: Google Imagens

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