Depoimento | Ter esperança é preciso – Por Miriam

Instituto Unidos pela Vida - 14/01/2014 15:02

1476340_681544358545591_1126774942_n“Meu nome é Miriam, tenho 26 anos e tenho Fibrose Cística. Fui diagnosticada aos 13 anos e desde então levo a minha vida sabendo o real significado da palavra esperança. Foram meus pais que, logo após o impacto do meu diagnóstico, me ensinaram a ter esperança.

Meus pais são médicos. Meu pai é psiquiatra, pesquisador e professor e minha mãe é psicanalista e uma das diretoras da associação de FC no Rio de Janeiro.

Logo cedo meus pais me ensinaram que existem muitos cientistas trabalhando para ajudar as pessoas com Fibrose Cística. Essa esperança me fez acreditar nas pesquisas científicas e me fez querer saber mais sobre ciência.

Com o tempo esse sentimento de esperança e curiosidade contribuiu para que eu decidisse o rumo da minha carreira profissional. Desde pequena sempre gostei de ciências e perceber a importância da esperança na minha vida me fez querer fazer parte do surgimento da esperança na vida de outras pessoas.

Comecei então a sonhar em me tornar pesquisadora (cientista). Foi o que eu fiz, me formei em biomedicina, fiz mestrado e agora faço doutorado em fisiologia. Desde a graduação tenho trabalhado com pesquisas relacionadas à diabetes, à doenças renais e à fibrose cística.

O caminho até aqui não foi fácil, mas meus pais nunca me deixaram perder a esperança de que novos medicamentos para a FC seriam descobertos ao longo dos anos.

E eles estavam certos! Quando eu tinha 15 anos comecei a usufruir do novo antibiótico inalatório que chegava pela primeira vez ao Brasil: a TOBI e alguns anos depois o Colomycin inalatório (depois de muita luta que os meus pais se envolveram pessoalmente). Ano passado após dois anos de uma luta árdua, agora com a justiça brasileira, consegui começar a receber o Aztreonam (outro antibiótico inalatório e mais potente que os anteriores). Com tudo isso e, claro, mais a ajuda e dedicação da minha família, de grandes amigos, da amiga advogada Marina Lowenkron e de muitos profissionais da saúde, consegui manter minha qualidade de vida muito boa todos esses anos. Apesar das persistentes lutas consegui conciliar TUDO o que eu queria fazer, deveres e prazeres, com o meu tratamento diário.

Agora, 13 anos depois do meu diagnóstico, uma nova luz se acendeu na esperança. Uma luz chamada KALYDECO.

Kalydeco é o primeiro medicamento disponível que tem como alvo a o defeito primário da FC. Todas as outras terapias disponíveis são para tratar os sintomas da FC. Portanto, este medicamento é um avanço enorme e real! De maneira simplificada, o que o Kalydeco faz é corrigir a proteína defeituosa causadora da fibrose cística.

O Kalydeco só é aprovado para uso em indivíduos que têm a mutação G551D, ou seja, somente 4% dos pacientes. No entanto eu gostaria de destacar que o número de pacientes que podem se beneficiar desta droga pode aumentar conforme as pesquisas forem evoluindo.

Abaixo traduzi um depoimento do John dos EUA, que tem FC e tem 27 anos. No texto ele fala sobre o Kalydeco e explica mais sobre esse assunto tão importante. Especificamente sobre o uso deste medicamento para outras mutações.

Depoimento de John resumido (27 anos):

“Kalydeco não é uma cura, mas é, em minha opinião, algo que vai prolongar a vida por muitos anos. Na verdade, com essa pílula foi possível melhorar a função pulmonar, diminuir os níveis de cloro no suor e também ajudado no ganho de peso. Basicamente, quem tem a mutação G551D e faz uso de Kalydeco vive o que eu chamaria de uma “FC livre de sintomas” ou sem a maior parte deles.

O que acontece então com quem não tem a mutação G551D? Bem, há esperança. É realmente emocionante ler sobre a pesquisa que a Vertex está fazendo. A maioria de nós pacientes têm pelo menos uma cópia da mutação DeltaF508, para qual muitas pesquisas estão sendo focadas. E principalmente para os indivíduos que têm duas cópias do DeltaF508 .

O estudo do uso de outras drogas chamadas “corretoras” associadas ao Kalydeco mostrou uma melhora gritante de 9% da função pulmonar e também dos níveis de cloro no suor em indivíduos que têm duas mutações DeltaF508. Isso é realmente muito emocionante!

Ok, mas ainda há uma grande quantidade de pacientes com FC que não possuem duas cópias da mutação DeltaF508. Na verdade, eu estou nesse barco. No entanto, eu acredito que a dosagem possa ser ajustada e essa combinação de drogas poderá funcionar também para quem só tem uma cópia do DeltaF508.

Mas a minha principal razão para escrever este texto hoje é para falar sobre algumas coisas interessantes que li sobre o Kalydeco que, por si só, pode ajudar outras mutações. Tomei consciência disso através de um fórum na internet.

Há um estudo que está sendo realizado para testar o efeito do Kalydeco (aka ivacaftor) na função pulmonar de pacientes com FC que tenham uma mutação com função residual do CFTR. A minha mutação esta nesse grupo.

Segue abaixo uma lista das mutações candidatas ao uso do Kalydeco nesse estudo (Mutações do gene CFTR associadas com a função do CFTR residual ou mutações com splicing de RNAm defeituoso):

R117H, E56K, P67L, D110E, D110H, R117C, R347H, R352Q, A455E, D579G, S945L, L206W, R1070W, F1074L, D1152H, S1235R, D1270N, 2789+5G->A, 3849+10kbC->T, 3272-26A->G, 711+5G->A, 3120G->A, 1811+1.6kbA->G, 711+3A->G, 1898+3A->G, 1898+1G->A, 1717-1G->A, 1717-8G->A, 1342-2A->C, 405+3A->C, 1716G/A 1811+1G->C, 1898+5G->T, 3850-3T->G, IVS14b+5G->A, 1898+1G->T, 4005+2T->C, 621+3A->G, 621+1G->T

Participantes desse estudo disseram se sentir melhor, sua prova de função pulmonar melhorou e ganharam peso. Tudo isso me mostra que a pílula mágica estará a nosso alcance muito em breve!”

Minha opinião:

Como mostrou o relato do John, as novas drogas são muito animadoras e uma grande esperança real de que podemos sonhar com um futuro promissor. No entanto é importante sabermos que todas as pesquisas científicas demoram anos para serem concluídas.  Portanto, acredito que devemos nos focar por enquanto em dois pontos que são muito importantes:

1-      Devemos continuar correndo atrás de manter nossa saúde o melhor que pudermos para nos beneficiarmos futuramente dos novos tratamentos. (Obs: Não posso deixar de citar que para mim a adesão ao tratamento, a vida social, a corrida e a Equipe de fibra se encaixam perfeitamente nesse objetivo).

2-      Todos devem procurar saber quais são suas mutações e ficar atentos para as novas pesquisas que estão surgindo.

Minha experiência:

foto 2 (7)Em novembro fiz uma viagem para os EUA para começar a pesquisar mais sobre a possibilidade de fazer parte do meu doutorado fora do país. O que eu não imaginava é que nessa viagem eu iria conhecer tantas pessoas especiais.

Primeiro me encontrei com o Paul.

O Paul é um professor, pesquisador de Fibrose Cística, tem 69 anos e vejam só: ele também tem Fibrose Cística!

O Paul fez o seu próprio diagnóstico quando tinha 19 anos, através de longas leituras na biblioteca de sua faculdade! Ao longo de sua vida, Paul fez grandes descobertas para a FC que são até hoje a base do nosso entendimento sobre a doença. Ele é casado com uma médica que ajuda ele em seus tratamentos com os antibióticos venosos e eles têm um filho já de 30 anos que foi adotado.

Conversei com o Paul durante 3 horas e pude constatar o quanto ele é realmente uma pessoa especial!  Nesse tempo ele me levou gentilmente para almoçar e conhecer seu laboratório. Compartilhamos de muitos assuntos em comum, conversamos bastante, mas o principal pude perceber olhando em seus olhos. Percebi em seus olhos sua árdua luta e sua dor de tantos anos lutando contra a FC, mas pude perceber também o quanto ele viveu, viajou, aprendeu, ensinou, aproveitou e venceu, venceu na vida! Foi um encontro muito agradável e emocionante. Paul me impressionou com sua gentileza, vivacidade e senso de humor inigualáveis.

Em outra parte da viagem pude me encontrar também com outras duas pessoas especiais: o médico, professor e pesquisador Richard e o  professor, pesquisador e pai de uma adulta com FC, o Jeffrey. Foi uma visita rápida, mas apesar do momento atarefado que eles se encontravam, ambos me receberam maravilhosamente bem. Foi uma enorme honra me encontrar com grandes pesquisadores de FC que são seres humanos maravilhosos e tem histórias incríveis.

Por último, gostaria de falar da grande oportunidade que tive de visitar a sede da empresa que está produzindo as novas drogas para FC: a Vertex, localizada em San Diego (EUA).

Tive a oportunidade de dar uma pequena palestra para o grupo de cientistas especializados em estudar a FC e de conhecer as instalações da empresa. Falei um pouco sobre mim, sobre as minhas pesquisas e sobre a GRANDE importância das pesquisas que eles desenvolvem. Uma das minhas preocupações foi perguntar sobre o plano deles para introduzir as novas drogas no Brasil. Eles me informaram que a porta de entrada, por enquanto, é a Unicamp (em São Paulo), através de pesquisadores que possuem colaboração com Portugal.

A visita foi animadora, principalmente por eu perceber que existem muitas pessoas com muitos conhecimentos e muitas tecnologias trabalhando para descobrir novos medicamente para a FC!

Para quem lê em Inglês alguns desses sites abaixo podem ser úteis para mais informações:

Blog sobre novos medicamentos para a FC: http://sixtyfiverosesblog.wordpress.com/page/2/ (Este site pode ser traduzido para o português clicando no botão translation que se encontra no lado direito da página).

Blog de uma australiana com FC que usa o Kalydeco (nesse Blog há o link para outros Blogs de pessoas com diferentes mutações que estão usando o kalydeco): http://magicbluepill.wordpress.com/kalydeco-blogs/

Blog do John (cujo relato eu copiei acima):

http://livingmydreamswithcf.blogspot.com.br/

Site que oferece informações sobre diferentes mutações da FC: http://www.cftr2.org/

Por fim, a minha mensagem principal é: acredito que em breve teremos novos remédios animadores para combater a FC e não só os seus sintomas!

O meu desejo é de que a chama da esperança não se apague para nenhum de nós!”

Depoimento enviado para a equipe do Instituto Unidos pela Vida por e-mail por Miriam.
Este relato tem cunho informativo. Não pretende, em momento algum, substituir ou inferir em quaisquer condutas médicas. Em caso de dúvidas, consulte sua equipe multidisciplinar.

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