Entrevista com a especialista: aprendendo sobre germes e resistência a antimicrobianos

Comunicação IUPV - 30/08/2022 08:34

Conhecer mais sobre os germes e a resistência a antimicrobianos na fibrose cística pode ajudar pessoas com a doença no cuidado para evitar esses micro-organismos e a própria resistência, contribuindo para que tenham mais saúde e qualidade de vida. Para trazer mais informações sobre o tema e dicas práticas de como prevenir a resistência a antimicrobianos, o Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística entrevistou a biomédica Jannaina F. de Melo Vasco*. Confira!

O que são germes e como eles podem afetar a nossa saúde?

Os germes são micro-organismos, ou seja, seres invisíveis a olho nu, capazes de produzir uma doença ou causar danos ao homem ou aos animais. Eles podem ser classificados como bactérias, vírus, fungos e protozoários. 

Os germes podem afetar a nossa saúde de maneiras que variam de acordo com alguns fatores, como ambientais, que se referem ao ambiente em que a pessoa se encontra ou frequenta; fatores do próprio hospedeiro, considerando como esse indivíduo está e o seu sistema imunológico; e fatores relacionados ao micro-organismo em si, como se ele tem uma capacidade maior ou menor de causar doenças, que podem ser desde patologias superficiais, como espinhas, até infecções mais graves em órgãos como pulmão ou até mesmo na corrente sanguínea.

No dia a dia de uma pessoa com fibrose cística, onde os germes estão presentes e como podem afetar a saúde de quem tem a doença?

As pessoas com fibrose cística devem ter uma atenção especial com os procedimentos de higiene, principalmente os que dizem respeito à higiene pessoal, pois os germes podem estar presentes em nossas mãos ou em objetos que utilizamos no dia a dia, como canetas, corrimãos de escadas, maçanetas de portas, entre outros. 

Sendo assim, ao realizarmos uma higiene pessoal adequada, o cuidado para evitar a contaminação por esses germes é maior. Na fibrose cística, é preciso ter uma atenção especial para todos os germes, principalmente as bactérias, pois elas podem colonizar os pulmões e comprometê-los. Atualmente, as infecções pulmonares bacterianas são as principais causas de declínio na função pulmonar na fibrose cística.

Como combater os germes, pensando especialmente na saúde das pessoas que têm fibrose cística?

Como dito na questão anterior, a principal maneira de combater os germes é realizando uma correta e constante higienização pessoal, principalmente das mãos, em momentos cruciais do nosso dia a dia, como quando chegamos em casa, antes das refeições ou da manipulação de alimentos, após tossir ou espirrar, depois de andar de ônibus e sempre que utilizarmos o banheiro. 

É importante manter o que a gente conhece como “etiqueta respiratória”, que consiste na proteção da boca e nariz ao tossir ou espirrar, além do uso de máscara quando estiver com qualquer sintoma respiratório. Também é importante que a pessoa com fibrose cística mantenha o calendário de vacinação em dia, pois muitos germes – a exemplo dos vírus respiratórios -, podem ser evitados e combatidos por meio dos imunizantes disponíveis.

O que são antimicrobianos?

Os antimicrobianos são medicamentos indicados para o combate de micro-organismos e redução da sua multiplicação no organismo. Eles podem ser divididos em dois tipos: os quimioterápicos, que são os antimicrobianos sintéticos produzidos na indústria e sintetizados; e os antibióticos, que são os antimicrobianos naturais, produzidos a partir de alguns micro-organismos.

Quando os antimicrobianos são recomendados no tratamento da fibrose cística?

Os antimicrobianos são recomendados quando existe uma suspeita clínica ou confirmação de processo infeccioso envolvendo um micro-organismo. Na fibrose cística, esse uso é mais comumente indicado para combater e prevenir as infecções que atingem o pulmão, pois a infecção nesse órgão pode causar graves problemas de saúde em quem tem a doença e levar a uma piora mais rápida da função pulmonar, diminuir a qualidade de vida do paciente e até levar ao óbito. Sendo assim, os antimicrobianos são utilizados na fibrose cística para o tratamento de infecções causadas por micro-organismos, como por exemplo as bactérias Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, as presentes no complexo Burkholderia cepacia e o fungo Aspergillus.

Qual a forma correta de utilização dos antimicrobianos?

Esses medicamentos devem sempre ser utilizados com recomendação médica, seguindo rigorosamente as indicações de dosagem, horário e período de tempo exato em que o antimicrobiano deve ser usado. Durante o tratamento, também é importante que não se faça uso de bebidas alcoólicas e de nenhum medicamento que esteja fora do prazo da validade, pois além de não fazer efeito, isso também contribuirá para o aumento da resistência a essa medicação. Sempre há uma tentação de interromper o medicamento quando os sintomas melhoram – devemos evitá-la para reduzir a resistência bacteriana.

O que causa a resistência a antimicrobianos e quais os prejuízos para a saúde que essa situação pode acarretar?

A resistência aos antimicrobianos é causada pela capacidade do micro-organismo em adquirir mecanismos de combate e resistência à ação desses medicamentos. Ela acontece, na maioria dos casos, em consequência do uso indevido e incorreto dos antimicrobianos. 

A resistência das bactérias é resultado de uma mudança na sua estrutura genética, lá no DNA desses micro-organismos, e esse processo de alteração genética pode acontecer de duas maneiras: por meio de mutações aleatórias e consequente seleção natural dos micro-organismos resistentes, ou pela aquisição de material genético de outros micro-organismos por meio de trocas e recombinação de DNA. 

Como consequência da resistência bacteriana, os prejuízos para a saúde ocorrem devido a não eficácia do antimicrobiano no tratamento, tornando, portanto, o combate à infecção mais difícil e demorado, podendo haver uma piora no prognóstico e quadro clínico do paciente. 

O que são “genes de resistência a antibióticos” e qual a sua relação com a fibrose cística e a resistência antimicrobiana?

Quando tratamos uma infecção causada por uma bactéria não resistente, o antimicrobiano atua diminuindo a taxa de multiplicação dessa bactéria e em sua eliminação. No entanto, quando uma bactéria adquire resistência a determinado antimicrobiano, ela torna-se capaz de crescer, independentemente da presença dessa droga. 

Essa bactéria resistente é capaz de se multiplicar e transferir os seus genes de resistência para outras gerações. Os genes de resistência também são conhecidos como Transposons, termo utilizado para indicar que eles são elementos genéticos transponíveis, ou seja, são sequências de DNA móveis, responsáveis pelo estabelecimento de novas sequências genéticas nas bactérias que podem ter, como consequência, o surgimento de novos genes de resistência aos medicamentos. 

Então, quando a gente fala de Transposons, elementos que pulam, que conseguem ser transponíveis e móveis, sabemos que eles podem se ligar a uma sequência nova de DNA de uma bactéria, o que torna possível o surgimento de uma sequência nova de resistência a um medicamento. A relação disso com a resistência a antimicrobianos na fibrose cística é que uma pessoa diagnosticada com a doença que apresentar uma infecção por um micro-organismo resistente, precisa que ele seja tratado com um antimicrobiano de maior espectro.

Assim, como consequência, é possível que para alguns micro-organismos ainda nem exista uma opção de tratamento disponível, devido ao alto grau de resistência detectado in vitro, que são as famosas e conhecidas superbactérias.

Qual a melhor orientação para que pessoas com fibrose cística evitem a resistência a antimicrobianos?

As principais indicações para prevenir o aparecimento de novas resistências é a utilização de antimicrobianos apenas com prescrição médica e nunca por conta própria, com atenção especial nesse uso a correta dosagem e horários desse antimicrobiano. Nunca se deve tomar doses maiores/menores ou encurtar o tempo de utilização acreditando que isso pode acelerar a cura, pois não é o que acontece. Além disso, mesmo com a melhora dos sintomas – pois sabemos que após os primeiros dias do uso do antimicrobiano eles melhoram consideravelmente – não se pode parar o tratamento antes do período indicado. Assim, a melhor maneira de prevenir a resistência aos antimicrobianos é incentivar o seu uso responsável, além da adoção das medidas preventivas que citei acima.

O que há de novo no cenário da fibrose cística em relação ao combate às infecções?

É importante entender que a própria fisiologia de uma pessoa com fibrose cística é propícia para o aparecimento de infecções. Portanto, uma das maneira de combater as infecções nesses indivíduos acontece por meio do uso de enzimas, como a alfadornase, que nada mais é do que uma enzima que ocorre naturalmente no corpo humano, mas que é suplementada na fibrose cística e que pode atuar no DNA do escarro. O DNA do escarro de uma pessoa com fibrose cística contém muito DNA de células e micro-organismos degradados, por isso, essa enzima contida no medicamento quebra o DNA, reduzindo a viscosidade da secreção do pulmão e as chances das infecções acontecerem. 

Ainda no cenário da fibrose cística, são estudados os benefícios do uso de antibióticos inaláveis profiláticos, como por exemplo, os recomendados quando a pessoa apresenta uma cultura de escarro positiva pela primeira vez ou está colonizada por Pseudomonas aeruginosa. Para alguns indivíduos cronicamente infectados por bactérias do grupo gram-negativo, normalmente esses episódios requerem tratamento com antibiótico intravenoso, que consiste, na maioria das vezes, em uma penicilina de amplo espectro.

Qual a relação do diagnóstico in vitro com a resistência antimicrobiana?

A pessoa precisará realizar exames, como por exemplo, a cultura e o teste de susceptibilidade aos antimicrobianos – esse último mais conhecido como antibiograma – para detectar se ela está com uma bactéria resistente. Por meio desses exames, serão testados vários antimicrobianos possíveis como opções de tratamento para aquela infecção. 

O que pode acontecer, em situações extremas, é que nesses exames in vitro, ou seja, realizados no laboratório, determine-se que o micro-organismo é resistente a todos os medicamentos testados. Isso, no entanto, não significa que a infecção não será tratada, e sim que as opções terapêuticas estão reduzidas. Nesses casos, fatores relacionados ao indivíduo, como o próprio sistema imunológico, e alguns outros fatores que ainda não conhecemos muito bem, também poderão auxiliar nesse tratamento. 

Portanto, pacientes com esse diagnóstico in vitro de cepas resistentes precisarão de uma maior atenção, tanto para o tratamento, quanto para conter a disseminação desses germes para outros pacientes, como uma maneira de combater e conter a resistência e também de proteção das outras pessoas com fibrose cística.

Os testes diagnósticos devem sempre ser feitos antes de administrar antibióticos para uma exacerbação? Se não, quando os testes de diagnóstico são mais valiosos para informar o tratamento ideal?

Sempre que possível, o ideal é que os testes para diagnóstico de processos infecciosos sejam realizados antes de começar a antibioticoterapia pois, apesar de inibir o crescimento dos microrganismos in vitro, o antimicrobiano pode não ser o ideal para tratar aquela infecção. Assim,  antes de iniciar o tratamento com antimicrobianos, é importante que seja feita a coleta do material para exame. 

Quando em processos infecciosos graves, como por exemplo, infecções da corrente sanguínea, o clínico inicia esse tratamento baseado na análise clínica e análise epidemiológica local. No caso de não melhora clínica, o médico pode definir o melhor momento para fazer os exames para diagnóstico.

Em caso de dúvidas sobre germes e a resistência a antimicrobianos na fibrose cística, entre em contato com um profissional da saúde. Ele poderá te ajudar e esclarecer todas as suas questões sobre o tema.

*Jannaina F. de Melo Vasco é biomédica formada pela Pontifícia Universidade de Goiás (UCG-GO). Especialista em Microbiologia Clínica e Micologia Clínica pela Pontifícia Católica do Paraná (PUC-PR). Mestre em Microbiologia, Parasitologia e Patologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) com o tema “Microbioma pulmonar e gastrointestinal na criança com fibrose cística” sob a orientação dos médicos pneumologistas pediatras Dr. Nelson Rosário Filho e Dr. Carlos Antônio Riedi. Foi responsável técnica do setor de Microbiologia do laboratório do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, coordenadora do curso de Biomedicina, docente e supervisora de estágios no Centro Universitário Autônomo do Brasil (UNIBRASIL) e no Centro Universitário Unifacear (UNIFACEAR). Atualmente, é docente e supervisora de estágios da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e conselheira diretora do Conselho Regional de Biomedicina do Paraná (CRBM-6). Tem experiência na área de Microbiologia, com ênfase em Microbiologia e Micologia Médica, atuando principalmente nos seguintes temas: microbioma respiratório e gastrointestinal da fibrose cística, microbiologia da fibrose cística, resistência bacteriana em microrganismos isolados de hemocultura de pacientes oncológicos, cultura de queimados e cultura quantitativa de biópsia.

Por Kamila Vintureli

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Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.

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