Experiência ruim na infância de pessoas com fibrose cística leva a uma má relação com a comida

Comunicação IUPV - 13/06/2022 06:11

Pessoas com fibrose cística podem ter uma relação complicada com a comida e com a alimentação e que vai se alterando durante a vida, é o que revela uma entrevista sobre alimentação realizada com um grupo de pessoas diagnosticadas com a doença.  

Para muitos indivíduos, uma experiência ruim durante a infância – como por exemplo, a necessidade de gastrostomia e de comer mais calorias – impactou a percepção de dieta e alimentação. Além disso, os entrevistados também compartilharam estratégias para ingerir as calorias necessárias, incluindo a escolha de comidas mais calóricas e ter a ajuda da família e amigos. 

Os resultados foram publicados no estudo “Percepção,  experiência e relação com a comida e alimentação em adultos com fibrose cística” (do inglês “Perception, experience and relationship with food and eating in adults with cystic fibrosis”), na revista Journal of Human Nutrition and Dietetics. 

A fibrose cística tem um impacto importante no sistema digestório, e muitas pessoas irão, eventualmente, desenvolver Diabetes Relacionada à Fibrose Cística e/ou insuficiência pancreática exócrina (IPE), uma condição na qual o pâncreas não consegue liberar enzimas digestivas suficientes para o estômago. 

Os hábitos alimentares podem, entretanto, ser cruciais para o manejo da doença Por exemplo, indivíduos com fibrose cística são frequentemente encorajados a terem uma dieta rica em calorias para garantir que eles tenham nutrientes suficientes para a saúde do corpo. Entretanto, há poucas pesquisas sobre atitudes dos pacientes em relação à alimentação e comida.

Recentemente, pesquisadores no Reino Unido conduziram entrevistas com nove adultos com fibrose cística, com idade entre 20 e 49 anos. Todos tinham insuficiência pancreática, a maioria tinha diabetes e foram incluídos ambos os sexos. Cada entrevista durou entre 20 a 30 minutos. 

“Apesar dessas pessoas serem regularmente perguntadas sobre seus status nutricionais e manejo da alimentação – por ser um aspecto importante de seu tratamento – esse é um dos primeiros estudos a explorar especificamente as percepções vivenciadas por adultos com fibrose cística,” disseram os pesquisadores. O grupo notou que, de maneira generalizada,  essas pessoas pensam na alimentação como uma forma necessária de tratamento. 

Um tema que surgiu nessas discussões foi que muitos adultos relatam uma experiência ruim com a comida durante a infância,  por exemplo, serem seletivos ou não terem apetite, mas que esses problemas tenderam a melhorar quando entraram na idade adulta e quando tiveram mais liberdade e controle no que podiam comer. Um participante disse que conhecer sua esposa o ajudou a expandir seus horizontes na alimentação “Porque nós costumamos sair para comer e, então, eu queria experimentar coisas novas.”

Muitos participantes recordaram a necessidade da gastrostomia na infância, e disseram que evitar a necessidade de ter que colocar novamente ajudou na motivação de manter bons hábitos alimentares. 

“Eu não comia muito bem na infância, então, precisei colocar sonda nasogástrica (um tubo estreito colocado no nariz, que vai até o estômago) por 2 anos.e E conforme fui crescendo, fui ficando com medo. Se não ganhasse peso, teria que ser alimentado pela sonda. Eu sempre pensei na sonda como algo para ser evitado”, disse um dos entrevistados. 

Os pesquisadores sugeriram que em aconselhamento sobre a alimentação por sonda ou  outras medidas de ganho de peso, com adultos com fibrose cística, e suas experiências passadas devem ser exploradas, pois elas podem ter “uma poderosa influência” na percepção dessas pessoas.

Normalmente, comer o suficiente para obter a nutrição necessária e manter o peso corporal saudável foi visto como prioridade por quem tem fibrose cística. De fato, para alguns, se alimentar com uma dieta rica em calorias os ajudariam a se sentir melhor frente a seus colegas sem a doença.

“Quando meu peso está saudável, eu tenho menos infecções e isso é uma parte importante de estar saudável”, disse um entrevistado.

“Eu sinto que quando colocam restrições no que podemos ou não comer, eu simplesmente não como o que eu quero”, disse outro participante da pesquisa.

Entretanto, para algumas pessoas, a necessidade de consumir mais calorias pode roubar o prazer em comer. Assim, um entrevistado disse “não é que eu não gosto de comer, é que eu não tenho fome pelo fato de sempre ter que comer no horário e porque quero me manter no melhor da minha saúde e peso.”

Além disso, enquanto as pessoas com fibrose cística geralmente entendem a importância de manter um peso saudável, eles também comentam sobre o ganho exagerado de peso e se sentem desconfortáveis com a imagem do seu corpo.

Nenhum dos entrevistados reportaram estar em dieta, “embora alguns relataram que manipulam sua dieta para ter o controle do peso e obter o balanço entre alcançar um peso benéfico para a saúde e estar satisfeito e confortável com sua imagem”, disseram os pesquisadores. 

Os entrevistados alegaram muitas estratégias para manter uma dieta calórica, como por exemplo, comer grandes quantidades, incluir pratos adicionais com variedade e manter uma rotina.

“Se eu saio de casa para uma refeição, eu comerei uma massa, e então eu posso pegar um acompanhamento como chips ou pão de alho. É assim que geralmente penso quando estou escolhendo algo para comer, que posso adicionar algo a mais ao prato”, disse um participante.

Outra recomendação é escolher um prato com muitas calorias sempre que possível. “Até mesmo com coisas pequenas, como manteiga, que eu sempre coloco. anteiga de verdade ao invés de versões com pouca gordura.Eu acho que assim é uma outra opção para adquirir calorias sem ter que comer mais.”

O apoio da família, amigos e profissionais da saúde também é crucial para manter uma boa dieta.

“Após um longo dia no trabalho, se eu chego em casa e comer uma tigela de cereal, minha parceira dirá que não é suficiente, que eu tenho que comer mais”, disse um entrevistado. Outro relatou que “Quando minha mãe sai, ela sempre volta para a casa com um chocolate, ela está sempre me enchendo de lanches calóricos.”

“Eu posso passar dias sem ao menos pensar em comida” disse outro entrevistado. “Minha mãe e um amigo então disseram: come qualquer coisa então,  e eles pegam algo para eu comer, senão não me importaria.” 

Os pesquisadores disseram que os entrevistados demonstraram uma necessidade dos médicos levarem sempre em consideração a experiência do adulto enquanto criança para criar um plano alimentar eficaz. 

“É importante que as experiências passadas com a comida e a alimentação, incluindo experiências na infância e a percepção da imagem, sejam exploradas durante consultas com o nutricionista, pois elas podem ter um efeito sustentado no comportamento alimentar na vida adulta”, disseram os pesquisadores. “Identificar as motivações e as barreiras para uma mudança alimentar e os aspectos alimentares é importante para que essas pessoas  possam adicionar uma dieta de sucesso em seu dia a dia e garantir que estão focando em suas necessidades ”

Quer fortalecer o trabalho realizado pelo Unidos pela Vida? Clique aqui e escolha a melhor forma de fazer uma doação.

Fonte: Cystic Fibrosis Foundation, traduzido em 22/02/2022 (https://cysticfibrosisnewstoday.com/2022/01/24/bad-childhood-experiences-cf-patients-lead-complicated-relationship-food/). 

Traduzido por: Mariana Camargo, biomédica, PhD e mãe da Sofia, diagnosticada com fibrose cística.

Revisão: Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, fundadora e diretora executiva do Unidos pela Vida, diagnosticada com fibrose cística aos 23 anos. Psicóloga, especialista em análise do comportamento, tem MBA em Direitos Sociais e Políticas Públicas e Mestranda em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Avaliação de Tecnologias de Saúde pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.

Fale conosco