A luta pelo presente e pelo futuro da Fibrose Cística | Por Marise Basso Amaral

Comunicação IUPV - 29/07/2020 09:42

Por Marise Basso Amaral, vice-diretora do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, mãe de fibra do Pedro

A história dessa reportagem da imagem ao lado narra um tempo que eu, como uma pessoa que faz parte da comunidade da fibrose cística, doença rara, genética, autossômica, crônica e progressiva, não conheci. Um tempo em que não existia enzima pancreática disponível no sistema público de saúde para os pacientes. Também não se podia comprar enzimas nas farmácias do Brasil. Então, as crianças com fibrose cística, morriam ainda muito mais cedo, por exacerbações respiratórias agravadas por quadros de desnutrição profunda. Pais e mães faziam campanhas para conseguir angariar fundos para importar as enzimas pancreáticas dos Estados Unidos, outros pais e outras mães traziam, escondidas, enzimas da Argentina. Traziam ainda enzimas de fora com a ajuda dos funcionários da antiga companhia aérea Varig, que em suas inúmeras viagens colocavam em suas malas várias caixas desse medicamento para ajudar essas famílias. 

Naquela época quem era trabalhador de carteira assinada tinha o INPS. Quem não tinha, recorria às Santas Casas de Misericórdia. Os médicos que atendiam esses pacientes na rede pública e mesmo na rede privada, diziam para essas famílias: “Isso é coisa de primeiro mundo, nunca vai estar disponível no Brasil”. A primeira vez que eu vi uma enzima pancreática eu recebi no Hospital Santo Antônio de Porto Alegre, foi nosso querido médico daquela época que disponibilizou algumas caixas até que eu pudesse regularizar a documentação do meu filho no SUS, e passar a receber e medicação, todos os meses. 

Essa caixa veio sem todas essas histórias, e mudou o tratamento do Pedro, ele passou a engordar, finalmente. Ele era um bebê de sete meses com o peso de um bebê de dois. Então, qualquer um aqui, consegue entender o valor dessa caixa. Ela veio cheia de cápsulas de enzimas, mas vazia de histórias. Uma coisa “dada”, pronta. Porém, foram essas muitas histórias silenciadas e invisibilizadas que fizeram ela ser possível para mim e para tantos.

Assim, agradeço a todos os pais e mães que antes de mim fizeram tanto por seus filhos e filhas, fazendo também pelo meu. Obrigado, sempre será pouco para todos vocês. Meu filho vive hoje, porque, lá atrás, vocês não se conformaram, porque vocês não aceitaram que aqui não teríamos acesso a essas enzimas para todos. Vocês não aceitaram que era “natural” morrer antes dos dez anos, não de Fibrose Cística, mas de falta de tratamento porque eles haviam nascido num país que não era de primeiro mundo. Muito, muito obrigado, aos pais e mães e aos profissionais de saúde que naquela época brigaram junto para que esse tratamento viesse para cá. E agora chegou a nossa vez, agora somos nós a ter responsabilidades sobre essa história.

Agora é a vez de pais, mães, familiares, das associações, dos centros de referência, dos médicos, dos fisioterapeutas, nutricionistas, pesquisadores, psicólogos e assistentes sociais, entidades científicas, do Brasil inteiro, de dizerem que dois novos medicamentos para Fibrose Cística, chamados de moduladores do gene CFTR, precisam ser incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no tratamento dessa doença. O parecer preliminar da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC),  comissão responsável por essa recomendação foi desfavorável em relação à incorporação. A sociedade civil, pacientes, pais, mães, amigos, familiares, interessados no tema e equipes de saúde terão vinte dias para se manifestar, dizendo que o que pensam sobre essa recomendação desfavorável e suas consequências para os pacientes durante a consulta pública que deve abrir em breve.

Esses dois novos medicamentos para Fibrose Cística, tal como as enzimas foram, são um NOVO PARADIGMA no tratamento, por atacarem, pela primeira vez, o defeito base da doença. Esses dois medicamentos mudam a vida das pessoas com fibrose cística e de seus familiares no nosso país, tal como eles vem fazendo mundo afora desde 2012. Ter um medicamento que permite minimizar a progressão da doença, promover a recuperação da função pulmonar e permitir um ganho de peso expressivo, se não é uma cura definitiva, nos dá a possibilidade de sonhar com o futuro. Um futuro em que além de sermos pais e mães, poderemos ser também avós e avôs. Um futuro em que nossos filhos e nossas filhas terão a chance de brigar pela vida e de aproveitá-la com mais igualdade, porque não estarão dedicando TODO O SEU TEMPO E ENERGIA num tratamento que combate apenas sintomas e que com o passar dos anos, infelizmente, vai ficando cada vez mais exigente e menos efetivo.

Nada é mais importante que isso para nós. E você que nos lê porque é nosso amigo, ou porque gosta de uma boa história… lute com a gente! Em um tempo em que estamos chocados, perplexos e muitas vezes imobilizados diante da morte de mais de 80 mil pessoas que essa pandemia trouxe, talvez pareça quase egoísmo pedir por nós. Mas é justamente em meio a tanta dor e tanta perda, que temos que nos levantar e fazer o que estiver ao nosso alcance para dizer, aqui também, entre as pessoas com doenças raras, entre as pessoas já doentes, que toda a vida importa. 

Então, use um pouco do seu tempo, se informe, entre na página do Instituto Unidos pela Vida, na página do Facebook da ACAM- RJ e leia sobre a consulta pública da Conitec. Divulgue, aprenda, informe-se. E você que tem uma história pessoal com essa doença, essa é a hora de contá-la em palavras suas, narrando na consulta pública seus dia a dia, suas dificuldades, seus desafios, suas apostas e o quanto essas duas medicações (não esquecendo que é uma consulta pública para cada um dos medicamentos) significam em ganho de qualidade de vida e tempo de vida para os pacientes e para todos próximos a ele. Que essa briga possa ser mais solidária, mais coletiva e que assim a gente possa também, como outros fizeram antes de nós, escrever outra história. E quem sabe, daqui a alguns anos, quando uma criança nascer com fibrose cística, em qualquer família brasileira, ela e sua família terão a chance de ter uma vida mais leve, mais produtiva e muito mais saudável. E isso aconteceu porque todos se importaram.

Créditos imagem: Martha Cristina Nunes Moreira | Instituto Fernandes Figueira (IFF)

Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

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