O que são os moduladores e como eles funcionam?

Comunicação IUPV - 23/04/2024 08:51
Moduladores

Em 2023, a pesquisa do canadense John Richard Riordan que trouxe a descoberta da DeltaF508 – primeira mutação descrita como causadora da fibrose cística – completou 34 anos. Este estudo pivotal foi realizado em colaboração com os biólogos Francis Collins e Lap-Chee Tsui e publicado na revista Science em 08 de setembro de 1989, data que agora é considerada como o Dia Mundial da Fibrose Cística.

De lá pra cá, muita coisa mudou, avançou, e novos estudos já descobriram mais de 2.100 mutações diferentes, sendo muitas dessas consideradas como causadoras da patologia. Essa evolução permitiu que novas abordagens fossem testadas para o tratamento da fibrose cística, como ressalta o biólogo e diretor de Políticas Públicas e Advocacy do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, Cristiano Silveira.

“A ideia de tratar a doença com a chamada terapia gênica foi a primeira tentativa de avanço. Introduzir cópias normais do gene CFTR usando vetores virais parecia uma boa ideia, afinal, a fibrose cística é causada por mutações em um único gene. Mas acontece que o gene CFTR é muito grande e não cabe em qualquer tipo de vírus, e além disso, nosso corpo aprendeu, ao longo de anos de evolução, a combater os vírus que entram no organismo. Por isso, o que acontece muitas vezes com essas tentativas é que elas desencadeiam uma resposta imunológica que, no final das contas, inviabilizou (até o momento) o uso dessa estratégia terapêutica. A saída, então, foi buscar outras alternativas, como os moduladores da proteína CFTR.”

Como funcionam?

De acordo com Cristiano, essas terapias são o primeiro tratamento para o que o Dr. Francis Collins, um dos colegas do Dr. Riordan, chamou de defeito básico (ou primário) da fibrose cística. Quem explica mais sobre o funcionamento dos moduladores é o biomédico, Dr. Miquéias Lopes-Pacheco.

“Os tratamentos mais convencionais para a fibrose cística atuam nas consequências da doença, como os sintomas respiratórios, pancreáticos e outros. No caso dos moduladores da proteína CFTR, se trata a causa da patologia. Neste cenário você não está atuando diretamente no gene, porque isso seria uma terapia gênica, mas vamos imaginar que a proteína CFTR é produzida. Quando ela está mutada, ela não se dobra da maneira correta, sendo eliminada pelas células.”

De acordo com Dr. Miquéias, é nesse momento que o modulador atua. “Ele faz com que a proteína atinja sua forma ideal e funcione corretamente. Por conta disso, essas terapias vão, em algumas situações, evitar que a pessoa elegível desenvolva vários sintomas da doença. Porém, é importante ressaltar que os moduladores não são 100% eficientes, o que significa que o indivíduo pode, mesmo com o seu uso, apresentar os sinais da patologia, embora geralmente de uma maneira mais tardia, mais branda e menos severa, como observamos hoje em dia.”

Quais moduladores estão disponíveis no Brasil?

Na fibrose cística, existem quatro moduladores disponíveis: ivacaftor (Kalydeco), lumacaftor/ivacaftor (Orkambi), tezacaftor/ivacaftor (Symdeko/Symkevi) e o elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta/Kaftrio). 

Apesar de já serem amplamente utilizados em outros países, no Brasil, apenas o Kalydeco e o Trikafta já tiveram recomendação favorável para incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS). Quem fala mais sobre essa diferença de acesso aos medicamentos é o Dr. Miquéias.

“Do ponto de vista das pessoas diagnosticadas, termos quatro moduladores disponíveis para uso clínico é algo muito importante, afinal, os pacientes não tinham nenhuma opção, e agora tem. Porém, o que ainda é um problema é que, mundialmente, muitos indivíduos elegíveis ainda não se beneficiam dessas tecnologias, como é o caso do Brasil.” 

Para explicar, Dr. Miquéias compartilha o caso do Kalydeco. “Ele foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) em 2012 para uso nos Estados Unidos. No Brasil, a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aconteceu apenas em 2018, e no final de 2020 o medicamento teve recomendação favorável para incorporação no SUS. Ou seja, temos um atraso de quase uma década, período em que pessoas elegíveis já poderiam estar se beneficiando com essa nova terapia.” 

Novas terapias no futuro

Considerando essa situação, Dr. Miquéias ressalta a importância do desenvolvimento de novos fármacos, principalmente vindos de outras indústrias farmacêuticas. 

“Isso possibilitará que mais opções surjam e mais pessoas sejam tratadas. Além disso, ainda precisamos de tratamentos mais eficientes. Gosto de enfatizar a situação vivida pelas pessoas com mutações raras da doença. Os moduladores que temos atualmente são indicados para as mutações mais comuns, mas existem as raras e precisamos pensar nelas também. Sabemos que há dificuldade em encontrar indivíduos para a realização de ensaios clínicos e o acesso a estatísticas que comprovem se o medicamento de fato beneficia ou não o paciente, mas como profissionais da área da saúde e pesquisadores, também precisamos enxergar esse aspecto.”

Por Kamila Vintureli

Referência:

RIORDAN, J. R. et al. Identification of the cystic fibrosis gene: cloning and characterization of complementary DNA. Science 245(4922), 1066–73 (1989).Cystic Fibrosis Mutation Database. Disponível em: <http://www.genet.sickkids.on.ca>. Acesso em: 22 fev. 2024.

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