Depoimento Priscila – Parte 1
Comunicação IUPV - 08/03/2020 10:24
Confira a primeira parte do depoimento da Priscila, mãe de fibra da Liv, diagnosticada com Fibrose Cística. Atualmente, residem na Holanda.
Meu nome é Priscila, brasileira de descendência italiana, nascida no estado de São Paulo. No último ano de faculdade, viajei para a Argentina e encontrei o amor da minha vida, um holandês. Onze anos, uma cachorra e três cidades depois, tivemos uma filha, a Liv*. Ela nasceu na Holanda, de parto natural, e apesar de ter vindo com 39 semanas, havia mecônio na bolsa. A parteira disse que não precisávamos nos preocupar, que os outros exames estavam ótimos. Quatro horas depois do parto, estávamos em casa, apresentando nossa filha para sua irmã mais velha, a Coxinha (a tal cachorra que mencionei acima).
Na Holanda, apesar de não manterem as mulheres no hospital por muito tempo após o parto natural, há um suporte em casa, de uma pessoa que é enfermeira e cuidadora, que vai, por 8 dias, tanto ajudar a limpar e cozinhar, como ensinar a lidar com o bebê e monitorar a saúde da mãe. Alguns dias depois do nascimento, vieram em casa fazer o Teste do Pezinho na Liv. Dois dias depois, vieram fazê-lo novamente.
A enfermeira-cuidadora achou estranho, mas disseram que a outra pessoa que fez o exame não havia coletado o sangue corretamente. Então tudo bem…
Uma semana depois, num final de tarde, com uma chuva torrencial, estava amamentando quando alguém tocou a campainha. Minha mãe atendeu e era um médico residente do consultório do meu médico de família. Ele sentou ao meu lado no sofá, eu ainda amamentando, e me disse que tinha notícias sobre a Liv. Ele disse que ela tem uma doença genética chamada Fibrose Cística e eu perguntei o que era. Ele tirou uma folha de A4 da pasta dele, com o logo do governo holandês, onde estava escrito Cystic Fibrosis.
Ele não sabia explicar o que era, pediu para eu ler a folha. A informação era toda em holandês, meu marido no trabalho, essa pessoa estranha no meu sofá enquanto eu amamentava, e eu lendo esse papel… Até que cheguei no segundo parágrafo: pessoas com Fibrose Cística tem expectativa de vida de até 30 anos. Não consegui ler mais muita coisa. Perguntei quais eram os sintomas, e ele disse que a única coisa que sabia era que sentiam muita falta de ar. A Liv não tem dificuldade nenhuma para respirar, eu disse.
Questionei como ele sabia que ela tinha Fibrose Cística e ele disse que foi pelo Teste do Pezinho. Aha, pensei. Também me disse que já havia marcado uma consulta no dia seguinte pela manhã com o hospital universitário em Amsterdã, onde havia uma equipe especializada em tratar pessoas com a doença, que faria outros testes e poderia me explicar melhor do que se tratava. Liguei para meu marido e pedi que o médico conversasse com ele, porque eu já não estava assimilando mais nada que ele falava.
Essa experiência foi muito traumatizante para mim. Apesar de fazer quase dois anos que aconteceu, ainda sinto um aperto no peito e choro quando conto essa história. Mas a partir daí, só tivemos notícias boas.
No hospital, fomos informados que os avanços no tratamento das causas de Fibrose Cística estavam muito avançados. Meu marido e eu lembramos que, no meio da gravidez, em outubro de 2017, estávamos assistindo o noticiário quando apareceu uma matéria sobre essa “doença do muco viscoso” (taaislijmziekte, como a chamam aqui na Holanda), em que uma família que tinha duas crianças com Fibrose Cística estava relatando como a aprovação pelo Ministério da Saúde do Orkambi, primeiro remédio a tratar a causa da doença para mais de 50% da população holandesa, teria um impacto significativo na vida de todos.
A Liv também tem o homozigoto F508del, mas isso ainda era o futuro. Por enquanto, seríamos acompanhados por uma equipe médica, incluindo fisioterapeuta, pneumologista, médico gastro-intestinal, nutricionista, enfermeira especializada em doenças pulmonares e uma assistente social.
Saímos do hospital com um pacote enorme de enzimas pancreáticas e vitaminas A, D, E e K, e com a recomendação de que a Liv não fosse à creche em seu primeiro ano de vida, para evitar o contágio com bactérias. Isso exigiu uma flexibilidade enorme da nossa família, e é imensurável a gratidão que sinto por minha mãe, que deixou seu conforto, namorado e dois cachorros para nos ajudar, e por minha cunhada, que também deixou (por um tempinho) suas duas filhas de 10 e 11 anos para nos socorrer. Minha sogra também nos ajudou, e entre essas mulheres poderosas, meu irmão generoso, meu marido e eu, fizemos com que a Liv crescesse na média holandesa e não precisasse tomar antibiótico em seu primeiro ano de vida.
Ela tinha consultas mensais com a equipe médica do hospital e, a partir de seu primeiro ano, passou a ir uma vez a cada três meses. Também passou a ir três vezes por semana a um tipo de babá coletiva, que cuida de no máximo 5 crianças até 4 anos de idade em sua casa (chama-se gastouder na Holanda), e percebemos como a convivência com outros pequenos contribuiu para o desenvolvimento cognitivo e emocional da Liv, apesar de ter causado, como consequência, resfriados, gripes e até catapora! A Liv acabou tomando antibióticos, mas não precisou entrar com dose contínua.
*outro nome foi usado para manter a privacidade da pessoa com fibrose cística
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Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá ajudar com todas as suas perguntas.