Ser mãe com Fibrose Cística – Por Verônica Stasiak Bednarczuk
Comunicação IUPV - 02/07/2019 09:00Quando estava planejando engravidar, minha pneumologista me disse a seguinte frase: “sua gravidez não me preocupa, pois temos várias alternativas para te cuidar. No máximo você fica de repouso, com oxigênio, caso algo grave aconteça. O que me preocupa mesmo é o depois. Criar um filho não é tarefa fácil.”
Bingo! Ela mais uma vez estava coberta de razão. Minha gravidez foi super planejada, me preparei bastante antes. Além da adesão ao tratamento (fisioterapia, inalação, medicamentos), me dediquei com mais intensidade e disciplina à atividade física. Quem me conhece sabe: nunca gostei de academia. Alguns amam, eu odeio. Rs! E foi no Crossfit que eu me encontrei. Modalidade dinâmica, adaptável para todas as pessoas, bastante competitiva. Foi amor à primeira vista (ou ao primeiro burpee!). Fiz praticamente um ano e meio de crossfit, e, associado ao meu tratamento, e de acordo com a minha condição clínica, consegui obter melhoras na minha função pulmonar.
Fui diagnosticada com Fibrose Cística aos 23 anos de idade. Desde bebê, sempre tive inúmeros problemas de saúde. Ficava internada constantemente com pneumonias, tirei duas partes do pulmão direito, a vesícula, parte do pâncreas parou de funcionar, enfim… Foram anos e anos de idas e vindas de hospital, centro cirúrgico, UTI, até descobrirem o que de fato eu tinha. E que presente foi receber este diagnóstico! Saber o que se tem de fato pode mudar tudo, e comigo não foi diferente. A partir do momento que soubemos o que causava tantos graves sintomas, pude começar a tratar adequadamente, e hoje me sinto bem melhor.
E foi também por conta disto que pude planejar a gravidez, e realizar este sonho. Em 2013 eu e meu esposo começamos a falar mais “sério” deste assunto. Em 2014 descobrimos que eu tinha pré câncer de colo de útero, e precisava fazer uma cirurgia no útero, e acompanhar a evolução durante um ano, sem poder engravidar. Em 2015 tive algumas exacerbações por conta da aspergillose bronco pulmonar alérgica, em 2016 tive uma grave pneumonia no começo do ano, e segui com exacerbações da aspergillose. No final deste ano, tive uma conversa bastante séria com a minha pneumologista, e ela me disse que o que eu precisava fazer para tentar melhorar minha função pulmonar, era atividade física regular. (Abre aspas pra este assunto: Cada caso é um caso. Não significa que se você fizer crossfit você vá melhorar. Significa que, caso você possa, e de acordo com as orientações médicas que você receber, você pode fazer uma modalidade que te traga prazer, além dos benefícios respiratórios. Jamais comece atividade física sem orientação, tenha você FC ou não).
Se eu não gostava de academia por mim, precisaria começar a gostar pela realização deste sonho. E eu acredito que sonhos podem nos motivar a aderir o tratamento ainda mais. Qual seu sonho? O que você tem feito para realizá-lo? Estar saudável é parte importantíssima para a realização de todos eles.
Eis que descobri o Crossfit no final de 2016, fiz uma aula experimental com meu esposo, e fomos “picados” pelo “bichinho” do crossfit. Saímos da aula encantados (e matriculados!). Cheguei a participar de uma competição (Crossfit Open, aberto para toda a comunidade de crossfit do mundo!), e me senti o máximo! Foi a minha primeira competição esportiva da vida! Rs! Foi uma evolução diária, desde condicionamento físico até ver a minha função pulmonar melhorar.
Em outubro de 2017, minha pneumologista disse que o momento era favorável para a gravidez, considerando todo o meu quadro clínico. Fiz uma série de exames e, como diz o ditado, quem procura acha. Vimos que a aspergillose havia exacerbado novamente, e que infelizmente eu precisaria fazer uma pulsoterapia (tomar corticoide na veia em alta dose) e voltar a tomar antifúngico. E lá veio mais um balde de água fria no sonho… Mas acredito que esses “baldes” sirvam para nos refrescar, e não para nos paralisar. Fiz o tratamento e em fevereiro de 2018, após nova bateria de exames, incluindo os solicitados pelo obstetra, estávamos “liberados” de novo. Pulmão em ordem, útero ok, tratamento caminhando, quadro clínico estável.
E no dia 15 de Abril, numa noite muito especial, descobrimos que tínhamos um bebê a caminho. Vai ser difícil traduzir em palavras a emoção daquela noite, e de ter recebido a notícia que eu mais esperei a vida toda. (Adendo: Eu sempre sonhei em ser mãe, e sempre acreditei que um dia seria!). Dois dias antes de receber essa notícia, descobrimos que eu estava com stafilococcus aureus denovo (uma bactéria no pulmão) e que, como estávamos tentando engravidar, o ideal era que fizéssemos o teste, e, se desse positivo, o tratamento para a bactéria seria diferente, já que nem toda medicação é compatível com a gravidez.
Nos primeiros meses, mantive apenas a inalação com alfadornase, fisioterapia, algumas medicações e atividade física (não segui com o Crossfit na gravidez por conta da cirurgia que fiz no útero, e, por precaução, fiz esteira, bicicleta e hidroginástica).
Não tive os famosos enjoos, mas tive muito sono, rs! Dia a dia ia sonhando com a chegada do nosso bebê, que, em 03 de Julho de 2018 descobrimos que era a tão sonhada Helena!
A gestação seguiu tranquila, meu pulmão firme e forte, e não tivemos intercorrências graves relacionadas à FC. Uma exacerbação pulmonar, que foi rapidamente resolvida, e só. Porém, em outubro, pouco tempo antes da Helena nascer, comecei a ter neuralgia intercostal por conta do tamanho dela (era bem grandinha!). Neuralgia é uma dor fortissima nos nervos que ficam entre as costelas. Tive isso durante quase um mês e, na noite do dia 28 de outubro, fui levantar para tossir, segurar as costas por conta de toda dor, e escutei um “cleck”. Corremos para o hospital, pois eu sentia uma dor absurda nas costas.
Fiquei internada uma semana, na 32ª semana de gravidez, pois eu havia quebrado uma costela. Depois, descobrimos que na verdade quebrei 4 costelas! Ali percebi que o amor de mãe é algo indescritível, pois depois de 5 dias de internamento, optamos por seguir o tratamento em casa, sem as medicações fortes que estava tomando no hospital (morfina, etc…), para não prejudicar a Helena (havia o risco dela nascer “dependente” da medicação, e eu não queria isso de jeito nenhum). Eu olhava pra barriga e de lá tirava toda a força que precisava!
Com 35 semanas, comecei a ter contrações. Helena nos assustou, e achamos que ela iria nascer antes do previsto! Mas se acalmou, e esperou até a 38ª semana, onde fizemos a cesariana. Sempre sonhei com parto normal, falamos desta possibilidade durante toda a gestação, mas a equipe achou arriscado por conta da fratura – não era possível saber como estava, e se havia risco de nova fratura. Por isso, para a minha segurança e da Helena, no dia 11 de Dezembro de 2018 nossa princesa veio ao mundo pelas mãos do Dr Claudio Bednarczuk, tio do meu esposo, tio avô da Helena. Foi o momento mais emocionante da minha vida, e quando fecho os olhos escuto o primeiro chorinho dela e relembro do nosso primeiro encontro como se fosse hoje.
Helena completou o 6 meses dia 11 de Junho de 2019, e foi amamentada exclusivamente no peito, em livre demanda, até então. Precisei cessar a amamentação logo após completar 6 meses porque minha cultura veio positiva para 3 bactérias (Stafilo, achromobacter e entherobacter), e os antibióticos eram incompatíveis com a amamentação. No fundo, apesar do amor pela amamentação, o que importa é vê-la bem, feliz, saudável e alimentada, e com uma mãe saudável para cuidar, amar e educar. Seguimos neste momento com a Helena mamando fórmula, comendo frutinhas e verduras, e a mamãe aqui fazendo o tratamento!
De fato, a rotina com um bebê é bastante cansativa, e considerando toda nossa rotina e condição de saúde, pode ser mais desgastante ainda. Tenha uma rede de apoio, peça ajuda, não queira dominar o mundo sozinho. Ter um filho é uma alegria imensa, e meu sonho agora é ser avó!
Portanto, meus amigos de fibra: cuidem-se. Sonhem muito, realizem, vivam intensamente. Seja lá qual for seu sonho, cuide-se para poder alcançá-lo. Não desistam, não desanimem. Sei que temos infinitas barreiras por vencer, e alguns leões para matar por dia. Mas nunca esqueçam: A Fibrose Cística é parte do que somos, não o limite do que podemos ser.
Por Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, 32 anos, psicóloga, especialista em análise do comportamento, gestora de projetos sociais, fundadora do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, membro do Grupo Brasileiro de Estudo de Fibrose Cística, mãe da Helena e esposa do Vinícius. Contato: veronica@unidospelavida.org.br * Helena não tem Fibrose Cística.
Clique aqui e confira o lindo vídeo sobre o nascimento da Helena!
Foto: Aline Marques Fotografia
Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.