Parte 1: Diário de uma Maternidade de Fibra – O planejamento

Comunicação IUPV - 15/10/2018 11:46

Há um tempo, tive um chefe que dizia “faça seus planejamentos a lápis, porque a maior certeza que temos é de que alguma coisa vai mudar ou acontecer no meio do caminho. Tenha um norte, mas, esteja preparado para reajustar as velas”. Este exemplo cabe perfeitamente no planejamento de uma gestação quando se tem Fibrose Cística.
Meu nome é Verônica, tenho 32 anos, sou natural de Ponta Grossa/PR e mudei para Curitiba em 1998. Quando criança, uma de minhas brincadeiras favoritas era brincar de boneca. Pensar que a boneca era minha filha e que “precisava” dos meus cuidados, me dava uma sensação muito boa! Sensação de responsabilidade, de que juntas éramos uma só.
O tempo passou, e o gosto permaneceu. O amor pelas crianças sempre foi algo que todos ao meu redor identificavam como “qualidade” em mim. Não posso ver uma que já quero pegar no colo, abraçar, brincar. Se estou em festa infantil, em poucos minutos já não estarei mais entre os adultos, mas brincando entre as crianças. Inclusive, meu primeiro “emprego” aos 14 anos foi como monitora de festas infantis, e depois como auxiliar de sala de aula, aos 16, numa pré-escola. Fui tia muito cedo, aos 12. Depois do meu primeiro sobrinho, vieram mais 3. Apesar da distância física, o amor por eles é algo imensurável!
Na fase adulta, o sonho de ser mãe e ter a minha criança em casa sempre esteve presente. Quando solteira, pensava fortemente em adotar. Ainda penso muito na adoção do nosso segundo filho, mas isso é tema para outra conversa.
Aos 23, fui diagnosticada com Fibrose Cística, uma doença genética, ainda sem cura, que pode ser identificada no teste do pezinho. Desde pequena, sempre tive muitos problemas graves de saúde. Já nasci com a clavícula quebrada, e nos primeiros meses apresentei minhas primeiras complicações respiratórias. Foram pneumonias atrás de pneumonias (em média 4 por ano), internamentos, cirurgias para tirar duas partes do pulmão direito, a vesícula, para tratar fratura no fêmur, enfim. Eram constantes minhas idas e vindas do hospital, da farmácia e dos consultórios.
Mas, isso nunca me impediu de fazer absolutamente nada. Me formei em Psicologia, comecei a trabalhar muito cedo (o que certamente te dá um senso de responsabilidade e te desenvolve em larga escala), entrei na faculdade de Psicologia aos 17 anos e logo na sequência comecei a estagiar na área de Recursos Humanos, minha área favorita na época. Aos 20 entrei no RH de uma multinacional americana e por lá fiquei até alguns meses depois do diagnóstico.
Em Julho de 2009, tirei férias do trabalho. Na época, atuava diretamente num projeto de grande porte, e o “melhor momento” para sair de férias era Julho. Nos primeiros dias de férias, amanheci bem gripada, e ela não melhorou nos dias seguintes. No sábado, antevéspera de voltar para o trabalho, fui ao hospital para tirar um raio x, considerando que na noite anterior tinha dormido muito pouco, devido à intensa falta de ar. Ao sair o resultado da tomografia, a médica indicou que eu ficasse internada por 3 dias aproximadamente. Os 3 dias viraram 32 dias de internamento devido à uma pneumonia necrosante, que me deixou dependente de oxigênio 24h por dia naquela época. A alta foi do tipo “aqui não tem mais o que fazer… vá para casa”. Fiquei internada em casa na modalidade de internamento domiciliar por mais um mês, e, aos primeiros sinais de melhora e com a diminuição da dependência do aparelho de oxigênio, voltei a trabalhar.
No dia seguinte ao meu retorno, fui internada com pancreatite. Faltavam poucos dias para meu aniversário de 23 anos, e eu mal sabia que o maior presente estava por vir.
Fiquei mais 10 dias internada, e, num destes dias, recebemos a visita de um gastroenteorologista que, ao “somar” todos os sintomas que havia tido ao longo destes 23 anos – todas as pneumonias, cirurgia pra tirar duas partes do pulmão, a vesícula, agora a necrose parcial do pâncreas por conta da pancreatite – percebeu que tudo isto tinha um nome. Juntou as peças e disse “acho que você tem fibrose cística”. Dias depois, tive alta e fiz o teste do suor, considerado padrão ouro para diagnóstico da FC. Valor de referência era 60, o meu deu 199. Estou “encurtando” muito a história porque, na verdade, o que mais importa neste momento é o que o diagnóstico me proporcionou: nova qualidade de vida, nova esperança, nova vida. Tive, pela primeira vez na vida, a visão da “luz no fim do túnel”, e mal sabia que um mundo novo se abria dalí em diante.
Pelo meu diagnóstico, fundei o Unidos pela Vida, que hoje é o Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, de modo que eu pudesse devolver ao universo a chance que tive de ser diagnosticada e tratada. Ele é meu primeiro “filho”, e a segunda chega agora, em Dezembro.
Helena foi muito sonhada e esperada, desde sempre. Comecei a namorar meu esposo, Vinícius, em março de 2012. Desde então, sempre falávamos sobre o desejo de sermos pais. Casamos muito rápido: dizem que quando é pra ser, é, né? =) E assim foi. Amo nossa parceria, cumplicidade, amizade, respeito e vontade de superar todo e qualquer desafio que aparecer pela frente.
Em 2015, recebi a notícia de que um tratamento com antifúngico muito forte, que já fazia há 3 anos, poderia ser encerrado. Naquele dia, a emoção tomou conta e pela primeira vez pensamos “já podemos começar a pensar na nossa gravidez!”. Sempre tivemos em mente de que nossa parte faríamos para realizar este sonho, mas, que se não fosse possível, ou, que se colocasse em risco a minha vida ou a do bebê, iríamos direto para a adoção.
Neste mesmo dia, outras notícias chegaram: a de que eu estava com NIC III, que é considerado pré-câncer de colo de útero. Um verdadeiro balde de água fria, digamos. Fiz a cirurgia, passei um ano em acompanhamento, e mais esta página estava virada. A vontade de aumentar a família só aumentava.
Em 2016, tive uma grave pneumonia em Março, após uma longa viagem, que me levou pra mais um longo internamento. Este ano, de modo geral, não foi nada bom no quesito saúde (e em vários aspectos). No final dele, a propósito, minha função pulmonar estava na faixa dos 50 e poucos %. Engravidar assim seria um risco, e, o que eu poderia fazer para melhorar este percentual era retomar a atividade física constante. Não vou mentir: odeio academia. Acho chato ficar na esteira… Há quem goste, mas nunca foi minha praia. Quando ouvi da minha médica “desse jeito não vai dar pra você engravidar”, pensamos: alguma coisa eu preciso encontrar pra retomar a atividade física, intensificar e melhorar muito minha adesão ao tratamento. Nada é mais importante que isso.
Eu tinha alguns “dificultadores”: tive uma grave fratura de fêmur, que me dá dores até hoje. Tive problemas no joelho, que também dá seus sinais constantemente. Meu pulmão não estava na melhor fase, e a falta de ar já aparecia nos primeiros minutos de caminhada. Mas eu tinha algo muito maior pela frente: queria engravidar. Quer meta e motivação melhor que essa?
Eis que no final de 2016, fui com meu esposo fazer uma aula experimental de Crossfit. Sim! Isso mesmo. Quem conhece deve ter pensado “nossa, que maluca! Foi logo pra mais pesada!” E aí eu já te digo: Crossfit é para todos. É a modalidade mais “adaptável” que já conheci. Adaptável, dinâmica, desafiadora, divertida e incrível!
Treinei durante todo o ano de 2017, até que em Outubro eu estava com 78% de função pulmonar. Uma excelente combinação de atividade física e adesão ao tratamento me fizeram chegar nessa marca. (Ressalva: cada caso é um caso, cada pulmão é um pulmão!). Infelizmente, em novembro tive uma exacerbação do fungo aspergillus fumigatus, em dezembro fiz novamente pulsoterapia no hospital, em janeiro segui tratando com antifúngico e em fevereiro estava nova de novo.
Em Março de 2018 eu participei da minha primeira “competição”, chamada Crossfit Open, que é uma competição aberta para todos os praticantes da modalidade do mundo. Nela, se qualificam os melhores que vão para as “olimpíadas do crossfit”. Óbvio que esta não era minha intenção, mas, a superação e a felicidade de participar de algo competitivo ligado ao esporte foi inexplicável!
Pouco tempo se passou e, no dia 15 de Abril de 2018, eu e meu marido descobrimos que o nosso sonho estava começando a se realizar: nosso exame de gravidez deu positivo! Um filme imenso passou pela minha cabeça naquele momento. Quantos anos de sofrimento, quantas idas e vindas de hospital, quanta dor, quanta falta de ar, e quanta luta para melhorar e poder chegar e viver esse momento. Tudo, absolutamente tudo valeu a pena, pelo simples fato de ter entendido que a adesão é um investimento de tempo na minha vida, para que eu possa realizar sonhos como este.
E, não vou mentir de novo: não estou aqui querendo te dizer que sou “A” melhor paciente. Não estou dizendo que sou perfeita, e que nunca deixei escapar nenhuma inalação, nenhuma fisioterapia, e de que nunca faltei no treino num dia frio. Estaria mentindo feio pra você. Já errei sim, sou humana e tenho certeza que você também. Não é fácil a rotina de tratamento, né? Mas hoje eu sei que ela precisa ser minha amiga, minha companheira, minha ponte para o futuro. Sei que sem a adesão ao tratamento, tudo vai ficar muito mais difícil. Sei que foi com ela que cheguei até aqui e é com ela que realizarei o sonho de ser vó, vendo a Helena crescer, se desenvolvendo plenamente e me dando netos amados.
Com muita determinação, força, fé e coragem e, de passo em passo, de fisio em fisio, de inalação em inalação chegarei lá, porque tudo isso é parte do que sou, não o limite do que posso ser.
No próximo “diário de maternidade”, contarei sobre os primeiros três meses da gestação, da mudança no tratamento e de outras sensações.
Por Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, 32 anos, casada, diagnosticada com Fibrose Cística aos 23. Psicóloga, fundadora do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, membro do Grupo Brasileiro de Estudos em Fibrose Cística, está esperando sua primeira filha, Helena.
Contato: veronica@unidospelavida.org.br
Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

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