Irmão e pesquisador de fibra: a história inspiradora do Dr. Miquéias Lopes-Pacheco

Comunicação IUPV - 11/08/2025 07:36

Por Dr. Miquéias Lopes-Pacheco, irmão de fibra, biomédico e pesquisador da fibrose cística

Minha história com a fibrose cística começou em 1992, quando eu tinha sete anos de idade e minha família e eu morávamos em Caratinga, uma pequena cidade no sudeste do Brasil.

Como filho mais velho de pais divorciados, desde muito cedo senti uma certa responsabilidade em ajudar minha mãe a cuidar dos meus dois irmãos mais novos. Meu irmão caçula, Nilo, nasceu com todos os sintomas clássicos de fibrose cística, mas a doença ainda era pouco conhecida no Brasil. Apesar de termos consultado vários médicos, ninguém conseguiu diagnosticá-lo.

Foram necessários seis anos até que Nilo finalmente recebesse o diagnóstico. Meus irmãos e eu viajamos de férias com nosso pai, que decidiu levar Nilo a outro médico. Devido à sua residência médica estar relacionada à fibrose cística, ela o encaminhou a um especialista, que solicitou novos exames para confirmar a doença. Aquele momento foi um divisor de águas em nossas vidas. Nilo pôde finalmente receber tratamentos adequados, e sua saúde melhorou.

Minha vida pessoal e profissional se cruzaram pela primeira vez em 2007, quando eu cursava graduação em Ciências Biomédicas em Juiz de Fora/MG. Para a disciplina de Genética Médica, escolhi apresentar um trabalho sobre fibrose cística, compartilhando percepções a partir da experiência do meu irmão e dos mecanismos moleculares da doença. 

Esse projeto despertou em mim um profundo desejo de contribuir com a pesquisa em fibrose cística. Logo encontrei um laboratório no Rio de Janeiro — cerca de 185 km de distância — e passei a viajar várias vezes por semana para realizar pesquisas até concluir minha graduação, em 2009.

Durante meu mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aprofundei meus conhecimentos em fisiologia respiratória e doenças pulmonares, estabelecendo as bases para futuras pesquisas em fibrose cística. 

Em 2013, obtive uma bolsa internacional pelo programa Ciências Sem Fronteiras para estudar na Universidade Johns Hopkins, onde passei 18 meses do meu doutorado realizando pesquisas em medicina de precisão, focadas em mutações comuns e raras do gene CFTR. 

Desde então, meu trabalho com a fibrose cística se expandiu — do Brasil para a Universidade de Lisboa, em Portugal, e atualmente na Universidade Emory, em Atlanta. Ao longo dessa trajetória, obtive financiamento para pesquisas, atuei no comitê científico da conferência da Sociedade Europeia de Fibrose Cística, participei de conferências importantes e mantive uma conexão próxima com a comunidade de fibrose cística, que me motiva cada dia mais.

No entanto, como toda história de vida, “nem tudo são flores“. Enquanto eu continuava realizando pesquisas em fibrose cística, longe de casa, a condição do meu irmão piorava. Embora terapias moduladoras que beneficiavam as mutações dele (F508del homozigoto) já estivessem aprovadas em alguns países, elas não estavam disponíveis no Brasil. 

Em meados de 2019, seus pulmões não conseguiram mais suportar o peso da doença. Não consigo expressar em palavras o quão devastadora foi a sua perda para mim. Mais tarde, naquele mesmo ano, quando uma nova terapia direcionada a para mutação F508del — que beneficiava 80-90% da população com fibrose cística — foi aprovada, senti inicialmente um misto de sentimentos: uma profunda alegria por todas as pessoas com que agora poderiam se beneficiar dessa medicação transformadora, mas também um “gosto amargo” ao lembrar que meu irmão poderia ter sido uma delas.

Contudo, desistir nunca foi uma opção para mim, pois ainda há muito a ser feito por tantas pessoas com fibrose cística e suas famílias. Dum Spiro Spero; “enquanto respiro, esperanço”.

Sou profundamente apaixonado pela ciência e seu pelo seu poder de transformar vidas! Eu também acredito que é essencial continuar a formação da próxima geração de cientistas e profissionais da saúde. Embora muitas vezes falemos sobre os “10% finais” nos EUA, em muitos países essa porcentagem pode chegar até os 50%, com a maioria destes pacientes vivendo em regiões com poucos recursos. 

Mesmo entre os elegíveis para terapias moduladoras, alguns não podem tomá-las devido a efeitos colaterais ou à incapacidade de se beneficiarem delas, ressaltando a necessidade urgente de terapias alternativas. 

À medida que as pessoas com fibrose cística vivem mais, novos desafios de saúde também surgem. Não podemos considerar o trabalho concluído até que todas as pessoas com fibrose cística tenham acesso a tratamentos eficazes e que transformem suas vidas.

No início de 2020, inclui uma dedicatória ao meu irmão em um artigo científico publicado e escrevi algumas frases sobre minha perspectiva em relação à fibrose cística:

“Todos nós, eventualmente, encontramos alguém que ‘nos estende a mão’ ou ‘toca nossa alma’ e muda os caminhos de nossas vidas para melhor! Meu irmão caçula, Nilo, foi uma dessas pessoas na minha vida. Ele foi minha primeira motivação e inspiração para me tornar um pesquisador com foco em pesquisa translacional para fibrose cística e outras doenças respiratórias. Assim como ele, muitos pacientes no Brasil e no mundo são elegíveis para essas terapias moduladoras de CFTR, mas ainda não as estão recebendo, e muitos outros pacientes permanecem sem qualquer opção terapêutica ‘alvo’. Em homenagem a ele e a muitos outros que lutaram bravamente contra a fibrose cística, devemos continuar a missão até que cada paciente tenha o ‘mais alto padrão de saúde possível’, até o dia em que veremos ‘todos os nossos irmãos e irmãs respirando livremente’.”

Depoimento publicado originalmente no site da organização Emily’s Entourage e disponível clicando aqui

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Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.