As cinco coisas que aprendi sendo amiga de uma pessoa com Fibrose Cística
Instituto Unidos pela Vida - 03/04/2016 18:12Estágio 1: “Ingenuidade”
Eu conheci Erin pela primeira vez há 14 anos, no começo do segundo ano na Universidade de Maine em Farmington. Erin tinha tirado um ano livre antes da faculdade, então tínhamos a mesma idade mesmo ela estando um ano antes de mim nas aulas. Todos do meu grupo de amigos estavam curiosos para conhecer a nova companheira de quarto de nossa amiga Aliza, e logo após nos apresentarmos, eu fui enviada por um amigo – que estava a fim dela – para fazer uma pesquisa.
Erin era fria e misteriosa, com o cabelo loiro descolorido, tinha um cartaz de Edward Scissorhands na parede do seu quarto do dormitório e um álbum cheio de fotos pretas e brancas de suas viagens. Enquanto eu estava em um subúrbio de Connecticut, Erin tinha crescido na parte rural de Vermont. Minhas roupas – uma mistura de itens listrados da Gap e Old Navy – sentiram-se idiotas ao lado dos casacos pretos de Erin com tecidos costurados. Erin tinha tatuagens e piercings, já havia trabalhado em uma fazenda de flores orgânicas e me ensinou o termo “gutter punk” antes de eu encontrar um viajante com dreads e um cachorro pedindo por troco. Ela começava histórias com frases como, “Então, uma vez, quando eu estava vivendo em uma casa em Baltimore,” e, “Você sabe o meu amigo Britta? Aquele que pula trens”.
Erin era um lindo enigma. Um enigma com tosse crônica.
Eu nunca perguntei a razão da tosse de Erin. Como eu disse, eu fui criada em Connecticut! Mesmo quando os nossos planos de ir pedir doces em Salem, Massachusetts eram cancelados devido a uma combinação de fatores, incluindo a doença de Erin, eu nunca mencionei isso. Ao invés disso, eu calmamente a observava bebendo chá de gengibre em uma garrafinha e arquivava dois mais “fatos de Erin” para o meu amigo. O estilo desta menina sugeriu que ela estava bem, e eu não tinha nenhuma razão real para perguntar se havia algo.
Depois de quase um ano de amizade eu perguntei a Erin: “O que você tem, afinal?” Parece tão louco agora, olhando para trás, e eu me lembro de Erin reagir com incredulidade – provavelmente uma mistura do choque sobre o fato de que eu nunca tinha perguntado e que ela nunca tinha nos contado! Sua descrença logo se juntou com a minha quando ela disse: “Eu nunca te disse? Eu tenho fibrose cística.”
Eu estava passando um semestre na Califórnia na época. Eu sou grata por isso hoje, pois pude pesquisar sobre a FC sem Erin lá para ver minha reação.
Estágio 2: Educação
Às vezes penso sobre como os pais de Erin a educaram sobre a fibrose cística quando ela era mais nova, apenas livros e revistas médicas à sua disposição. Eu honestamente não acho que eu poderia ser uma amiga tão boa para Erin sem a internet.
As minhas primeiras pesquisas no Google na Califórnia foram assustadoras. Alguns dos sintomas listados faziam sentido: a tosse e o risco para infecções respiratórias eram familiares. Outros – como os problemas digestivos – eram totalmente novos para mim. As implicações também eram novas – e aterrorizantes. Ler a expectativa de vida média de qualquer doença pode ser triste. Mas para ler a expectativa de vida média de uma doença da qual sua melhor amiga sofre… é mais que decepcionante.
Minha segunda fase da educação veio no outono seguinte, quando Erin e eu nos mudamos para um quarto duplo no UMF. Muita coisa aconteceu naquele ano. Nós vimos uma a outra por meio de novos namorados e separações, trocas de cursos e até o final da série Friends. Nós apresentamos um programa de rádio semanal na estação da faculdade e até mesmo convencemos os cozinheiros de sanduíches na lanchonete a nomear um sanduba especial em nosso nome.
Todo o tempo, eu ficava olhando para a rotina de Erin. Ela foi a primeira pessoa, que não um avô, que vi tomando medicação de uma caixa de “comprimidos da semana”. Eu descobri que ela chamava seu médico pelo primeiro nome e se exercitava para manter sua função pulmonar alta. Eu testemunhei sua inclinação para água com eletrólitos alimentícios e ela rindo quando me mostrou as linhas de sal em seus braços, deixadas por seu suor.
Eu também vi a carga emocional que sofrer de uma doença crônica pode exercer sobre uma pessoa. Percebi que assistir Friends com sua melhor amiga nem sempre era suficiente para tirar a tristeza de Erin. E pela primeira vez desde que aprendi sobre a doença de Erin, eu me senti totalmente impotente.
Aprender sobre a fibrose cística observando minha amiga aguentar sua própria doença é bem melhor do que aprender através do Google. A fibrose cística não era mais assustadora. Mas isso me pareceu muito injusto.
Estágio 3: Negociação
Depois de me formar na faculdade, encarei duas opções: voltar a morar com meus pais ou ir para o novo apartamento de Erin em Burlington, Vermont. Eu decidi montar barraca na sala de estar da casa de Erin em Vermont, e quando eu achei um trabalho duas semanas mais tarde, o nosso destino de continuar como companheiras de quarto foi confirmado. Me senti bem sobre minha decisão. Afinal de contas, eu não tinha ideia de quanto a fibrose cística podia afetar a saúde de Erin em um futuro próximo, mas eu sabia que ela era saudável naquele momento e eu queria aproveitá-lo com ela.
Era um pensamento ridiculamente egoísta e mal pensado – um que eu tenho vergonha de admitir – mas depois de muito pensar, eu percebi que não me arrependo. Aqueles anos foram cheios de noites de diversão e baldes de pipoca. Nós servimos amostras grátis em lojas de queijos e fomos de bicicleta pelas colinas de Burlington. Nós participamos de aulas de ioga, shows e encontros. Nós festejamos a noite toda quando Obama ganhou as eleições de 2008.
Os três anos e meio em que Erin e eu vivemos em Burlington foram os mais divertidos da minha vida até agora.
Estágio 4: Aceitação
A fibrose cística não define minha amiga. Nem perto. Para mim, a aceitação do fato de que Erin era ainda Erin se deu indo de volta para o ano em que nos conhecemos. Eu tinha que perceber que ela era a mesma pessoa que sempre foi – mesmo antes de saber quaisquer detalhes sobre sua doença.
Ser amigo de alguém com fibrose cística pode ser difícil. Pode ser tanto emocional quanto espiritualmente desafiador. Mas as coisas boas superam as ruins. Erin e eu fizemos muito mais viagens do que tivemos que cancelar. Nossas piadas internas chegaram a ser uma segunda língua. Aquele meu aniversário que passamos dividindo sushi em seu quarto de hospital é uma memória ironicamente feliz. E, às vezes, fazer Erin rir ao ponto de tossir não é triste… porque o que eu disse deve ter sido realmente muito engraçado.
Eu acho que se alguém me pedisse para resumir como é ter uma melhor amiga que sofre de fibrose cística eu diria … que vale pena.
Estágio 5: Ativismo
Quando eu finalmente entendi o que significa viver com fibrose cística, de repente, o vi em todos os lugares – incluindo na série Grey’s Anatomy. Eu vi essas histórias com interesse, e os elogio pela exatidão .. mas também fiquei decepcionada. Parece que a fibrose cística é destaque na cultura pop apenas como uma história trágica. Alguém precisa de um transplante de pulmão e não pode viver sem ele… ou alguém se apaixonou por outro paciente com FC – um grande problema quando se trata de transmitir a infecção.
Onde estavam as histórias de pessoas como Erin? Viver com força, dignidade e graça e ao mesmo tempo lutar como ela?
Para mim, o ativismo assumiu duas formas. Em primeiro lugar, eu me voluntario na Cystic Fibrosis Lifestyle Foundation. Meu trabalho tem me apresentado a muitas famílias como a de Erin, reunidos ao redor de pacientes com FC que vivem não apenas para sobreviver, mas sim para prosperar.
A outra forma de ativismo? Falando. Educação para quando as pessoas entenderam errado. Eu não saio por aí com um chicotes, mas se eu ouvir alguém mal informado sobre a doença ou chegando com suas próprias explicações (por vezes insultuosas), eu intervenho.
Fibrose cística não é um coisa pela qual qualquer um quer ser definido. Mas viver com fibrose cística é uma prova de persistência. Não é uma história trágica, é uma história de humor e força. Isto é o que você aprende por ser amigo de alguém que tem fibrose cística. E esta é a lição que eu passo para todos.
Texto original aqui.
Artigo traduzido por Eduardo Trunci, tradutor voluntário do Instituto Unidos pela Vida e também da revista americana Scientific American, do California Institute of Technology e do site TED.
Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.