Volta às Aulas com Fibrose Cística – Pelo olhar da Psicologia

Comunicação IUPV - 28/02/2024 09:43

A Série “Volta às Aulas com Fibrose Cística” do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística já trouxe dicas e orientações para pais, responsáveis e professores de crianças com fibrose cística. O primeiro e o segundo texto da série já estão disponíveis.

Agora, tratamos o assunto pelo olhar da psicologia, com perguntas e respostas elaboradas pela Psicóloga Angelita Wisnieski da Silva. Confira!

As aulas começaram há algumas semanas e meu filho ainda chora para ficar na escolinha. É normal?

É normal. Momentos de separação, em qualquer fase da vida, podem gerar estresse e insegurança. Para as crianças pequenas, ficar separado daquilo que é familiar para permanecer em um ambiente novo, sem as suas pessoas de referência (mãe, pai, irmãos, avós, babás) pode provocar medo, angústia e tristeza. Quando muito pequenas (até três aninhos) pode ocorrer ainda a fantasia do irreversível, o medo de que os pais não voltem e a estejam abandonando.

Como amenizar?

Primeiro de tudo, acolhendo a angústia. Oferecer colo, afeto, garantir que a casa, lugar de retorno e segurança, estará ali ao final do período na escola. O choro pela separação não deve nunca ser ridicularizado ou subestimado. Ter a garantia de que os pais irão buscá-la pode ajudar e isso pode ser dito claramente para a criança.

Uma sugestão é de que, junto com a professora ou atendente da escola, os pais contem para a criança qual será a sua rotina na escola, o que ela vai fazer ali: encontrar a professora, conversar com os amiguinhos, brincar, pintar, estudar, fazer as refeições, soninho… Conforme a rotina da escola, enfatizando que, depois disso tudo, a mãe, pai ou familiar vai buscá-la. Isso pode ajudar a criança a se organizar temporalmente, dando referência de tempo e reduzindo a ansiedade da expectativa do reencontro.

Contar, em casa, como era a vida escolar dos pais ou dos irmãos mais velhos, com alegria, destacando situações divertidas, pode gerar interesse e motivação. Se a criança mantém o receio de ficar na escola, pode-se afirmar a ela que a insegurança, o medo do novo, são naturais e contar, por exemplo, que o irmão ou primo mais velho ou os próprios pais, também passaram por isso e depois gostaram de estar lá.

É comum também que os pais deixem os filhos na escolinha com lamento, tristeza e eventualmente culpa por deixá-los. Primeiro porque quem melhor conhece e cuida dos filhos, são ou deveriam ser, os pais. Portanto, é possível que surja desconfiança, insegurança sobre o bem estar da criança sob os cuidados de outras pessoas.

Se a situação for geradora de muita ansiedade para os pais, é possível que as crianças respondam com insegurança. Esta situação pode ser mais complicada quando a criança tem uma doença, crônica ou não, mas que exige cuidados com o tratamento nos períodos em que a criança está na escola.

De modo geral, os pais podem se sentir pressionados para desapegarem e aceitarem seus filhos estabelecendo vínculos, relações de carinho e sendo cuidados por outras pessoas, mas essa situação pode provocar ciúmes, que precisa ser reconhecido e suportado pelos pais. Não há razões para competir com a escola pelo amor da criança! A escola é parte saudável da vida, um dos primeiros ambientes de socialização, exercício de apego e desapego e amadurecimento da criança.

Com o passar das semanas, é esperado que a ansiedade e a insegurança de ambos diminuam, conforme os  vínculos de confiança com a escola sejam formados e consolidados. Se isso não acontecer, é importante estar atento aos sinais da criança para saber se algo na escola não está indo bem. É possível perceber no comportamento da criança (irritabilidade, recusa de  contato afetivo, como beijos e abraços) e no seu jeitinho de brincar.

Geralmente o brincar da criança mostra como ela entende a realidade em que vive. Se algo não está bem na escola, o motivo pode aparecer nas representações que faz enquanto brinca. E então, vale muito conversar com os educadores para entender e resolver a situação.

Quando vai passar?

Cada criança tem seu tempo, e não é o mesmo para todas. Depende da criança estabelecer vínculos de confiança. Estes vínculos são formados desde que a criança nasce e é cuidada por alguém; se é cuidada, se tem suas necessidades básicas físicas, afetivas e de segurança atendidas por alguém, melhor ela vai conseguindo estabelecer suas relações de confiança.

É importante lembrar que, por mais que os pais fiquem tristes ao verem a criança chorando ao deixá-la na escola, esta separação e a convivência com outras pessoas vão se tornando outras referências para a criança. Elas são absolutamente constitutivas e importantes para que a criança cresça mais segura.

Como as crianças lidam com o novo e a adaptação?

Diante do novo e desconhecido, as crianças podem reagir com pavor, medo ou com curiosidade e interesse. Este interesse pode ser despertado em casa, com comentários simples, no dia a dia, sobre o quanto pode ser divertido e prazeroso estar em um lugar todo pensado para as crianças, com atividades e companhias para a sua idade. Ou seja, a reação da criança, depende muito de como a novidade  é apresentado por aqueles em quem ela mais confia: a sua família.

Os pais e/ou responsáveis devem estar atentos para não tornar o início da aulas um transtorno na sua própria rotina,  uma conotação negativa – é comum e cultural reclamarmos quando as férias terminam, quando precisamos acordar cedo.

Se os pais têm o hábito de queixar-se, de reclamar da volta às aulas, do desgaste e do gasto com a compra do material e do uniforme, do trânsito e do ônibus que terão que enfrentar todos os dias, a criança vai entendendo e tomando para si que a escola é um peso, dificuldade para os pais e algo que os desagrada.

As crianças, em geral, querem e procuram ser amadas pelos pais e não um fardo para eles. Se entendem que a volta às aulas é motivo de incômodo, vão entender a escola como algo negativo também para si.

Qual a importância da rotina em casa para esse momento?

Ter uma rotina é extremamente importante para as crianças, porque as ajuda na organização e localização.  É comum os psicólogos receberem famílias que se queixam de que os filhos passam a ficar mais irritados e desobedientes durante as férias escolares. Isso é uma reação que mostra que estar “solto”, sem horários para dormir, acordar, comer, brincar e fazer tarefas que ensinem os pequenos a terem responsabilidade, pode provocar desorganização.

Isto acontece porque se perdem as referências do cotidiano e as crianças passam a ter apenas o prazer, as coisas legais. No entanto, diversão sem limites também pode provocar bagunça. A falta de limites é vivenciada pela criança como uma espécie de abandono.

O que foge do padrão, o que não é normal?

Quando o nível de rejeição da criança pela escola e a ansiedade se tornam insuportáveis para ela a ponto de alterar seu sono com pesadelos ou agitação, recusa para alimentar-se ou tristeza desproporcional e, quando em casa, a criança deixa de brincar, é sinal de algum sofrimento.

É muito importante que, percebendo isso, os pais procurem a escola e tentem entender quais são os problemas e juntos, busquem soluções. Se a situação continuar, é importante procurar profissionais para avaliação psicológica e médica, pois algo mais grave do que a dificuldade com a adaptação pode estar acontecendo.

É sempre válido lembrar que a família e a escola precisam ser parceiras. Se há problemas nesta relação, se não há confiança e parceria, talvez seja interessante avaliar a mudança para outra escola. Falar mal da escola para a criança, reclamar dos professores ou, pelo outro lado, comentar negativamente sobre a família da criança, em nada vai ajudar no relacionamento.

A família e a escola são as referências mais importantes e mais presentes na vida das crianças e elas vão se sentir mais seguras conforme percebam que seus maiores pontos de apoio são parceiros.

Meu filho tem uma doença e precisa manter o tratamento. O que fazer no início ou volta às aulas?

Crianças com doenças crônicas precisam manter seu tratamento durante o período escolar. É o caso das crianças com diabetes, fibrose cística, intolerâncias e alergias alimentares, cardiopatias, doenças hematológicas e reumatológicas, entre tantas outras. Nesses casos, é comum o relato dos pais e da própria criança sobre a vergonha de usar medicamentos ou dieta diferenciada entre os coleguinhas. Cabem alguns cuidados:

Comunicação

A ideia de referência e contrarreferência, conhecida pelos profissionais de saúde e educação, aqui é primordial! É essencial que a escola saiba sobre a doença e sobre a necessidade de tratamento da criança, tenha acesso a materiais informativos, conheça, acolha, respeite as necessidades específicas e mantenha contato com os profissionais de saúde que atendem e orientam a criança e a família. Assim como já mencionamos a importância da parceria entre a família e a escola para que a criança se sinta segura e tudo caminhe bem, aqui podemos inserir mais um grupo que deve estar envolvido nessa parceria: os profissionais de saúde.

Hoje, com a facilidade de acesso aos meios de comunicação, a distância entre a casa da criança, sua escola e os centros de atendimento em saúde, não deve ser um empecilho. O alinhamento da escola com profissionais e agentes de saúde e gestores da Unidade Básica de Saúde (UBS) referência para a família, também é benéfico. São casos em que verdadeiramente se faz necessário integrar toda a rede de apoio disponível. Os Conselhos Tutelares, em geral temidos, também podem ser grandes parceiros nesta integração.

Alimentação

As necessidades alimentares especiais são contempladas pelo Ministério da Educação (MEC) no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Manuais e cartilhas com orientações para as escolas sobre as dietas especiais são disponibilizados gratuitamente no site do MEC. As doenças não contempladas neste material, como é o caso da fibrose cística, exigem ainda mais o contato da escola com os profissionais de saúde, em especial o nutricionista, que avalia, orienta e acompanha a criança nos centros especializados ou nas UBS.

Além da atenção à dieta diferenciada, a criança pode sofrer com o constrangimento em ser atendida de modo diferente dos colegas. É primordial explicar para todas as crianças, em casa e na escola, que as diferenças existem, que nem todos temos olhos iguais, o mesmo nariz, a mesma altura, cor de pele, cabelo e que também o funcionamento do nosso corpo não é igual ao dos coleguinhas. Deve-se explicar para as crianças de forma lúdica que, por exemplo, a barriguinha, o coração e outros órgãos e sistemas funcionam de modo diferente em cada um.

Temos diferenças e necessidades diferentes! Por que negar? De quem esconder? Não é preciso enfatizar uma doença para que a criança se justifique por ela a vida toda. Mais saudável pode ser apontar que as diferenças são parte de nós e existem para nos fazer mais humanos.


Medicação


O uso de medicamentos, inalações ou o teste para verificação da glicemia das crianças diabéticas, por exemplo, devem ser sempre supervisionados por um adulto. A realização do tratamento pode ser feita na própria sala de aula ou em um  local reservado (sala da coordenação, enfermaria, se houver). O importante é não atribuir à criança um destaque negativo por isso: como castigo, fragilidade, transtorno.

A criança tem o direito de comunicar aos colegas o quanto conseguir e quiser sobre sua doença e tratamento.

Atividades físicas

As restrições físicas exigem adaptação e criatividade para que as atividades possam contemplar a todos! Atenção especial é necessária aos quadros de nutrição e hidratação da criança, especialmente em dias quentes e durante as atividades físicas e recreativas. Cansaço excessivo e esforço respiratório também precisam ser observados, respeitados e comunicados aos pais ou responsáveis pela criança para que procurem reavaliação médica.

Incentivar a criança para que ela conheça e respeite seus limites também é importante. Além disso, a observação atenta e sensível dos professores e atendentes pode identificar situações em que a criança esteja tirando proveito da sua diferença para não realizar as atividades. Precisamos lembrar sempre que diversas doenças não comprometem o funcionamento cognitivo, a inteligência e a capacidade das crianças de criar estratégias em seu benefício. Por isso, é tão importante que os profissionais da escola se atentem, conheçam a doença, mas conheçam ainda mais e antes de tudo a criança.  

Confiança

Por fim, é importante sempre valorizar e confiar na capacidade de aprendizado e adaptação das crianças. Vale lembrar que a angústia e o medo com relação à escola são, muitas vezes, mais dos pais do que da própria criança, tenha ela uma doença crônica ou não.

Sempre recordo o exemplo de uma menininha que por volta dos seis anos já vinha para seus atendimentos no serviço especializado de saúde toda graciosa, usando uma bolsinha a tira cola e relatava que sempre usava uma bolsinha.

Perguntei então o que ela guardava nesta bolsa e ela muito espontaneamente respondeu: “Minhas enzimas, ué?!”. A simplicidade e prontidão daquela resposta nos mostrou o quão bem adaptada e familiarizada com a administração de enzimas pancreáticas aquela criança estava. As crianças, quando ensinadas com tranquilidade e segurança, conseguem inserir os tratamentos a suas rotinas de vida muito mais facilmente e com menos drama do que os adultos.

Outro exemplo é o do adolescente que começa a sair a noite para festas, lanches e “rolês” com os amigos. Perguntei a ele como administra as enzimas na frente dos amigos antes de comer e a resposta foi: “Se eu não tomo, sempre algum deles me lembra”. Me mostrava assim que os amigos haviam inserido à rotina do grupo a ajuda e o incentivo para que ele mantivesse seu tratamento. E a adolescente diabética cujas amigas aprenderam a identificar os sinais de hipo e hiperglicemia, e mais tarde, o namorado aprendeu com ela a aplicar as injeções de insulina.

Cada novidade na vida de um filho ou filha é também uma novidade na vida dos pais.  É preciso ter cuidado para não misturar e aumentar a ansiedade de um e de outros. Acolhimento, compartilhamento, segurança e amor são o que de melhor a família pode dar para uma criança.

Por Angelita Wisnieski da Silva (CRP-08/13657), Psicóloga pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Especialista em Psicologia Hospitalar pela Faculdades Pequeno Príncipe (FPP), Mestranda em Bioética pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe e Tutora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdades Pequeno Príncipe, Curitiba – Paraná.

Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá ajudar com todas as suas perguntas.

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