Fibrose Cística e adesão ao tratamento

Instituto Unidos pela Vida - 20/06/2014 16:33

Por Angelita Wisnieski da Silva*

Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

Fibrose Cística e Adesão ao Tratamento 

A palavra “adesão” pode ser entendida por um conjunto de habilidades que possibilitem a “colaboração ativa entre o paciente e seu médico, num trabalho cooperativo, para alcançar sucesso terapêutico. É expressa na medida em que o comportamento do paciente corresponde à opinião, à informação ou ao cuidado médico, seguindo instruções para medicação, dietas e/ou fisioterapia”1.

A Fibrose Cística é uma doença crônica e progressiva que impõe desafios ao paciente e sua família por exigir, na maioria dos casos, tratamento diário e ininterrupto. Estes desafios estão relacionados ao impacto causado pela doença e seu tratamento e a estratégia para superá-los depende das habilidades da criança, do adolescente e do adulto para responder às questões próprias de desenvolvimento normal e aos eventos extraordinários da vida2.

Entre as várias questões que envolvem o universo psicossocial e afetivo do doente crônico e de seus familiares na convivência com a doença e seu tratamento, observa-se a luta constante por compreender e aceitar o diagnóstico e por manter a motivação para um tratamento diário, necessário por toda a vida3.

Estudos internacionais4 apontam que a adesão ao uso de medicamentos é melhor do que a adesão às medidas de limpeza das vias aéreas. A adesão à prática de fisioterapia respiratória está estimada entre 40 e 47%. Ou seja, nem a metade do que seria o ideal ao tratamento, referente à fisioterapia, é possível para os pacientes. Já a adesão às dietas é ainda mais baixa: entre 16 e 20%4.

Esta dificuldade é evidenciada com grande frequência também nos Serviços Especializados no Brasil, através dos relatos dos pacientes e seus familiares que apontam a inapetência (falta de apetite) e a recusa alimentar. Além disso, percebe-se a resistência ao uso de vias alternativas de alimentação, como a gastrostomia.

Para a Organização Mundial de Saúde, a adesão à terapia de longo prazo para doenças crônicas em países desenvolvidos é em média de 50%. Nos países em desenvolvimento, as taxas são ainda mais baixas apontando para o fato inegável de que muitos pacientes têm dificuldade em seguir recomendações de tratamento5.

Na adolescência a falta de adesão ao tratamento passa a ser mais evidente. Observa-se que ao ter maior conhecimento sobre a doença e ao se deparar com a realidade da doença incurável, o paciente adolescente questiona a eficácia do tratamento e adota uma postura desafiadora sobre a necessidade de realizá-lo. É uma reação comum a esta fase de desenvolvimento, quando o adolescente põe a prova o domínio sobre sua vida6.

A partir do acompanhamento dos pacientes fibrocísticos em um serviço de atendimento especializado, consideramos dois pontos iniciais imprescindíveis de discussão quando nos referimos à adesão ao tratamento. Ambos, de uma forma ou de outra, tratam da relação entre o paciente e seu médico ou equipe de saúde.

1. Os profissionais, de modo geral, compreendem o quanto é penoso para o paciente e para a sua família seguir adequadamente as rotinas de tratamento. Além disso, a má adesão é percebida pelos profissionais mais experientes, através dos resultados de exames e da condição clínica do paciente.

No entanto, é muito comum que com o passar do tempo, o paciente aprenda a responder àquilo que o médico espera ouvir. Muitas vezes para evitar repreensões, noutras para agradar à sua equipe de saúde e ser bem visto como paciente exemplar. Estas atitudes podem também ser apresentadas pelos pais. Trata-se, muitas vezes, de um movimento inconsciente adotado por qualquer ser humano para se fazer amado, necessidade primordial à vida.

Assim, se mostra necessária uma relação sincera, o estabelecimento de um verdadeiro vínculo de confiança entre paciente e equipe de saúde. Sinceridade quanto ao que não é possível realizar no tratamento para que a equipe possa junto com o paciente, identificar as dificuldades e propor soluções.

2. É necessário saber sobre a doença e seu tratamento. Muitas vezes, por vergonha, timidez ou receio de ser julgado, o paciente e sua família saem de uma consulta com dúvidas não esclarecidas. Outras vezes, tantas são as informações ditas em tão pouco tempo que chegando em casa é que se deparam com as dúvidas. É comum, após considerável tempo de diagnóstico e tratamento da criança com FC, ouvirmos questionamentos das mães referentes àquilo que a equipe imaginava estar bem explicado e compreendido. Isto acontece porque cada um precisa de um tempo particular para assimilar e elaborar as informações e então identificar suas dúvidas.

E é primordialmente importante que estas dúvidas sejam esclarecidas para que o tratamento possa ser seguido, porém, os profissionais só podem saber o que precisam explicar novamente ou melhor, se o paciente e sua família os disser.

Sinceridade, interesse e disponibilidade de ambas as partes são necessárias para dizer o que não está bem entendido ou o que não se consegue realizar para então serem feitas novas orientações e esclarecimentos. Quando as dificuldades na adesão ao tratamento estão claras para o paciente, sua família e para a equipe de saúde, passa a ser possível se pensar e discutir alternativas sobre o que poderia ser readequado e facilitado no tratamento.

Angelita Wisnieski da Silva: Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (2007), especialista em Psicologia Hospitalar pela Faculdades Pequeno Príncipe de Curitiba (2010). Atualmente é Psicóloga do Hospital Infantil Pequeno Príncipe, atuando também no Ambulatório Multidisciplinar de Fibrose Cística. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Hospitalar. É colunista do Instituto Unidos pela Vida.Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2752479201165366

Referências: 

  1. OLIVEIRA, V. Z.;  GOMES, W. B..Comunicação médico-paciente e adesão ao tratamento em adolescentes portadores de doenças orgânicas crônicas. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2004, vol.9, n.3, pp. 459-469. ISSN 1413-294X.  http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2004000300008.
  2. NOBILI, R. M. et. al. Guiding principles on how to manage relevant psychological aspects within a CF team: Interdisciplinary approaches. Journal of Cystic Fibrosis. Vol. 10, Supl. 2, 2011. Disponível em <http://www.sciencedirect.com/science/journal/15691993/10/supp/S2> Acesso em 06 maio 2012.
  3. SANTOS, C. T.; SEBASTIANI, R. W. Acompanhamento psicológico à pessoa portadora de doença crônica. In: E a psicologia entrou no hospital… Valdemar Augusto Angerami – Camon (org.). São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003
  4. MODI, A.; QUITTNER, A.. Abstract of Dissertation Presented to the Graduate School of the University of Florida in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of Doctor of Philosophy: ADHERENCE IN CHILDREN WITH CYSTIC FIBROSIS AND ASTHMA. August 2004. Disponível em: <http://etd.fcla.edu/UF/UFE0005641/modi_a.pdf.> Acesso em outubro 2013.
  5. World Health Organization: ADHERENCE TO LONG-TERM THERAPIES –  Evidence for action, 2003. Disponível em <http://whqlibdoc.who.int/publications/2003/9241545992.pdf.> Acesso em 29 maio 2012
  6. ABERASTURY, A.; KNOBEL. M. Adolescência Normal: Um Enfoque Psicanalítico. Tradução de BALLVE, S. M. G. Porto Alegre: Artes Médicas. 1989. 
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