A jornada desde o avanço científico até o medicamento capaz de transformar as vidas das pessoas com Fibrose Cística – PARTE 3

Comunicação IUPV - 13/07/2020 08:40

Era apenas uma questão de tempo. Pensava-se que a terapia genética logo curaria a Fibrose Cística, marcando um momento de virada no tratamento das doenças genéticas. A ideia era relativamente simples: use um vírus para transportar uma cópia boa, funcional do gene para dentro das células pulmonares dos pacientes.

Wilson juntou-se a Collins e corrigiu a Fibrose Cística em células em uma placa, um experimento de prova de conceito que se tornou notícia de primeira-página. A empolgação — entre os especialistas e o público — estava aumentando. Wilson fez outra apresentação na conferência de Fibrose Cística.

“No ano anterior, falei profeticamente sobre a terapia genética. E agora apareço e digo que curamos a Fibrose Cística no tubo de ensaio. Estou falando sobre expectativas… naquele momento, com um público leigo, se você curou em tubo de ensaio… — ‘Uau, vamos lá”, lembrou Wilson.

Várias equipes apressaram-se para testar a terapia em pessoas, comparecendo diante de um comitê federal especial que avaliou questões de segurança, ciência e ética desses experimentos clínicos. Isso foi tão inovador que os cenários de ficção científica foram debatidos, segundo os pesquisadores.

Por exemplo, o comitê contemplava se o vírus que carregava o gene bom poderia dar errado. Havia temores de “um vírus da Andromeda Strain (no Brasil: O Enigma de Andrômeda) que aniquilava Bethesda”, lembrou Ronald Crystal, pneumologista que liderava estudo no National Institutes of Health, em referência ao terror tecnológico de Michael Crichton sobre um micróbio assassino.

Para garantir que algo semelhante não aconteceria, os primeiros pacientes passaram semanas dentro de duas salas com pressão de ar negativa construídas no NIH (National Institutes of Health).

A terapia não representava perigo para o resto do mundo, descobriram os pesquisadores. Mas a biologia do ser humano acabou por ter todos os tipos de maneiras de resistir a uma solução fácil, e rapidamente ficou claro que a terapia genética não seria simples em pulmões de verdade.

Então, todo o campo da terapia genética parou em 1999 com a morte de Jesse Gelsinger, um adolescente com distúrbio metabólico, que morreu após receber tratamento para esse distúrbio em um dos experimentos de terapia genética de Wilson.

Quando a esperança de sucesso da terapia genética com perfil relevante fracassou, a pesquisa continuou no trabalho básico, menos glamoroso para desvendar o que deu errado com o gene da Fibrose Cstica. Esse entendimento tornou possível desenvolver maneiras de rastrear produtos químicos, para observar se qualquer um deles se mostrava promissor como medicamento.

Beall e Preston Campbell da Cystic Fibrosis Foundation visitaram a Aurora Biosciences, uma empresa de biotecnologia em San Diego que usava robótica para acelerar enormemente esses testes.

“Bob e eu éramos como crianças em uma loja de doces”, lembrou Campbell. Após um pequeno investimento inicial, a fundação surpreendeu o mundo sem fins lucrativos em 2000 ao premiar a empresa com 40 milhões de dólares, um novo tipo de arranjo de filantropia de risco no qual se a empresa obtivesse sucesso, o grupo que não tinha fins lucrativos receberia uma parcela dos royalties.

Uma empresa de Massachusetts, a Vertex Pharmaceuticals, adquiriu a Aurora em 2001 e, embora o trabalho com a Fibrose Cística tenha continuado, foi considerado uma tentativa com poucas chances de sucesso, e foi chamado internamente de “projeto fantasia”, lembrou Fred Van Goor, cientista que se juntou à empresa naquela época e se tornou chefe da área de biologia no programa de Fibrose Cística.

O problema científico era imenso: a mutação do gene mais comum na Fibrose Cística criava uma proteína que não podia realizar sua função essencial na célula. A proteína não dobrava corretamente, o que interferia em sua habilidade para alcançar a superfície da célula. E tendo chegado à superfície celular não realizava bem o trabalho que lhe cabia como portal. Isso significava que eles precisariam de vários medicamentos para ajudar os pacientes — um para fazer com que a proteína chegasse ao lugar certo, o outro para abrir o portal.

A primeira opção de droga da Vertex focou em apenas um dos problemas — fazer com que o portal funcionasse melhor. Por si, isso ajudaria apenas cerca de 4% dos pacientes que tinham a doença causada por uma mutação rara. Essa droga, Kalydeco, foi aprovada em 2012 (no Brasil, ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde), mas ainda não estava claro se seria possível fabricar um medicamento que funcionasse para um grupo maior de pacientes.

Então, o principal produto da Vertex — um medicamento para hepatite C — foi ofuscado por um tratamento melhor de um concorrente, e o futuro da empresa e de sua pesquisa em Fibrose Cística foram postos em dúvida.

“É claro que isso criou uma crise incrível aqui na Vertex”, lembrou Jeff Leiden, chefe executivo da empresa. A Vertex teve que decidir se permaneceria na luta contra a hepatite C, tentando encontrar um medicamento melhor, se a empresa seria posta à venda, ou — a opção preferida por Leiden — se entraria com toda a força na FibroseCística.

O conselho da Vertex decidiu apostar na Fibrose cística, e em 2015, uma combinação de duas drogas, chamada Orkambi, foi aprovada para um grupo maior de pacientes com Fibrose Cística. Assim como o Kalydeco, esse medicamento também ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde do Brasil. A empolgação com os medicamentos começou a produzir um debate da sociedade sobre seus altos preços: o preço de lançamento de Orkambi era de 259 mil dólares por ano.

Enquanto isso, a empresa precisaria desenvolver uma terceira droga para tratar mais pacientes.

Os estudos com medicamentos são “cegos” para que nem os pacientes nem os cientistas saibam quais pessoas recebem o medicamento e quais recebem placebo. Quando Trikafta, a combinação de três medicamentos que finalmente seria aprovada, foi cegada em um estudo em outubro de 2018, os pesquisadores finalmente viram o slide que mostrava como a droga afetava a função pulmonar.

Houve um silêncio singular na sala por um minuto. A droga funcionava.

“Havia uma contradição entre nossas emoções e mentes… As mentes diziam, ‘Viva! Exatamente como o esperado’, enquanto nossas emoções questionavam, ‘Será que é verdade?’”, contou David Altshuler, diretor clínico chefe da Vertex.

Quase imediatamente, “nos voltamos para tudo o que teríamos que fazer nos cinco anos seguintes, a fim de tornar esse resultado real para os pacientes”, disse Altshuler. “É como uma orquestra sinfônica, porque a pesquisa, a fabricação, os estudos clínicos, os distribuidores, os advogados, o acondicionamento, tudo precisou funcionar em uma harmonia incrível.”

Pacientes e médicos comemoraram no início de novembro de 2019 em uma conferência científica no Tennessee, onde Collins pegou o violão e deu boas-vindas ao público no CF Church, cantando uma canção que escreveu pouco depois da descoberta do gene — dessa vez com letra atualizada: “Encontrar o tratamento triplo levou 30 anos”, cantou Collins. “Houve momentos em que nada parecia funcionar e o progresso estava muito lento, mas a esperança está em nossos genes, ousamos sonhar.”

O verso seguinte repete a mensagem que se lê na parede da Cystic Fibrosis Foundation em Bethesda: “Até que seja feito”. Clique aqui para saber mais sobre o processo de incorporação do Trikafta no Brasil.

‘Estamos no caminho certo’

Após uma espera tão longa, 10% dos pacientes com Fibrose Cística, ou cerca de 3.000 pessoas nos Estados Unidos, ainda estão esperando por uma terapia que funcione para eles.

Stacy Carmona, que nasceu apenas três anos antes da descoberta do gene, é uma dessas pessoas.

“Estou muito animada pela comunidade e animada pelos meus amigos que têm Fibrose Cística e precisam tão desesperadamente do medicamento. Há muitas pessoas sobrevivendo por um fio, esperando por isso”, disse Carmona. “O outro lado dessa situação é que não se pode deixar de perguntar quando será a minha vez?”

A fundação anunciou outros 500 milhões de dólares de financiamento para a próxima onda de pesquisas no próximo outono, na intenção de ajudar a encontrar a cura para todos.

Os medicamentos aprovados até o momento compensam os efeitos de um gene defeituoso, mas não são tecnicamente uma cura ou uma terapia genética, porque não introduzem uma nova versão do gene. A terapia genética ainda é um objetivo dessa pesquisa, depois de 30 anos — uma das várias abordagens que a fundação está considerando na busca pela cura.

A história de sucesso da Fibrose Cística, com uma espera que será muito longa para muitas famílias e um sucesso que levantará novas questões — incluindo como pagar por medicamentos com preços elevados — está agora se desenrolando para outras doenças.

“Isso faz com que encaremos o fato de que a jornada da descoberta — desde a ciência básica até a terapia aprovada pela Food and Drug Administration — é longa e complicada”, disse Collins. “Ainda será desafiador para todas as nossas esperanças e os nossos sonhos em relação a doenças que ainda estão na fila de espera. Mas devemos ser otimistas: estamos no caminho certo.”

Por Carolyn Johnson, repórter científica. Tempos atrás ela cobriu os negócios ligados à saúde e à acessibilidade dos serviços de saúde aos consumidores.

Fonte: https://www.washingtonpost.com/health/the-journey-from-scientific-breakthrough-to-a-life-changing-cystic-fibrosis-drug/2020/04/17/08e70a0c-0bda-11ea-bd9d-c628fd48b3a0_story.html?sf121109106=1

Traduzido por Vera Carvalho, voluntária de tradução para o Instituto Unidos pela Vida.

Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

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