Quais as principais técnicas na Fisioterapia Respiratória para Fibrose Cística?
Instituto Unidos pela Vida - 21/08/2017 17:59Por Dra. Maria Ângela Ribeiro, colunista do portal do Instituto Unidos pela Vida, Fisioterapeuta pela Universidade Metodista de Piracicaba. Mestre em Farmacologia pela Unicamp. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela FCM/Unicamp. Coordenadora do setor de Fisioterapia do Departamento de Pediatria da FCM/Unicamp. Coordenadora de Pesquisa do Laboratório de Fisiologia Pulmonar (LAFIP) do Centro de Investigação em Pediatria (CIPED) da FCM/Unicamp.
Em geral as técnicas passivas são conhecidas como tapotagem, drenagem postural e vibração torácica usualmente aplicadas em bebês que não respondem a comandos verbais.
Alguns cuidados especiais devem ser empregados na realização destas técnicas, pois o tórax do bebê ainda é muito pequeno, como também as posições de cabeça para baixo na drenagem postural que devem ser evitadas por riscos de provocar o refluxo gastroesofágico e riscos de aspiração brônquica do conteúdo do estômago.
Outra técnica que tem sido utilizada para bebês é a drenagem autógena modificada onde se utiliza as mãos do terapeuta para promover diferentes volumes pulmonares e com isso alterações de fluxos aéreos para carrear a secreção para vias aéreas maiores. Outro objetivo também é a melhora da ventilação pulmonar por meio de mudanças nas posições corporais do bebê.
O tratamento fisioterápico do bebê ou da criança que ainda não pode participar ativamente da técnica deve ser ensinado aos pais e responsáveis por estes de maneira que possa ser realizado em casa com a mais absoluta segurança. Para isso o fisioterapeuta tem que fornecer treinamento prático aos responsáveis e assegurar que não haja nenhuma dúvida a respeito da realização da técnica.
A medida que o paciente cresce, é útil que técnicas de assopro sejam estimuladas para que a criança comece a aprender a assoprar de maneira mais prolongada.
Essas técnicas podem ser iniciadas com brinquedos de assopro (cuidado com brinquedos com peças pequenas que podem provocar aspirações brônquicas) e são a base do ensino da Técnica de Expiração Forçada também conhecida como “HUFF”. Essa técnica será utilizada para facilitar a remoção de secreções brônquicas e fará parte de algumas técnicas de fisioterapia respiratória como também será orientada ao paciente para realizar por toda a vida pois esta ajudará na independência do paciente na realização de sua limpeza brônquica.
Em pacientes com enfermidades pulmonares que cursam com aumento das secreções brônquicas nas vias aéreas, geralmente essas secreções brônquicas diminuem o diâmetro da via aérea e aumentam a resistência desta, causando a ventilação preferencialmente em regiões pulmonares não obstruídas como também a diminuição da ventilação nas regiões obstruídas. Outra situação que pode ocorrer em doenças pulmonares que cursam com hipersecreção e obstrução brônquica é a de que o ar pode entrar por detrás da secreção, mas não ser expirado totalmente, levando ao que chamamos de hiperinsuflação de unidades pulmonares obstruídas.
Várias são as técnicas ativas para a desobstrução brônquica descritas na literatura que são empregadas para pacientes que conseguem realizar sozinhos a sua terapia e são conhecidas como “airway clearance techniques (ACTs) na literatura internacional. No Brasil são conhecidas como técnicas de depuração mucociliar ou técnicas ativas e objetivam sobretudo a melhora da ventilação de unidades pulmonares obstruídas. São elas, a saber:
- O CAR consiste de respirações controladas (RC), exercícios de expansão torácica (EET) e técnica de expiração forçada (TEF). Pode ser iniciado com crianças pequenas com atividades lúdicas através de brincadeiras de assopro. O controle respiratório descrito no método deve ser realizado por tranquilas respirações diafragmáticas, a ritmo e volume corrente normais, com ombros e tórax relaxados. O paciente deve sentir uma expansão na região da cintura durante a inspiração. São importantes no método os exercícios de expansão torácica com inspirações profundas (sem muito esforço inspiratório), com volume pulmonar maior e seguido de apnéia de três segundos ao final da inspiração. Este maior volume inspirado aumenta o fluxo aéreo nas vias aéreas periféricas através de canais de ventilação colaterais que disponibilizam maior volume de gás para mobilizar as secreções durante a expiração, a qual deve ser tranquila e relaxada
O ciclo é finalizado com um ou dois huffs, combinados com períodos de controle respiratório. À medida que as secreções mais periféricas são mobilizadas, um huff ou tosse a alto volume pulmonar pode ser usado para expectorar as secreções.
- Uma técnica conhecida por técnica instrumental e que favorece independência do paciente é conhecida como terapia por Pressão Expiratória Positiva (PEP) e é definida como repetições de expirações contra uma pressão de 10 a 25 cm de H2O e pode ser feita por meio de máscara facial ou por dispositivo bucal. É um sistema que visa a dilatação dos brônquios, através da potencialização desta pelos canais colaterais. Entre os seus benéficos estão: a remoção de secreções nas vias aéreas maiores devido a chegada de ar a segmentos pouco ou mesmo não ventilados pela ventilação colateral, reduzindo assim o aprisionamento e consequentemente o colapso das vias aeres ao final da expiração.
- Outra técnica instrumental é a técnica por PEP oscilatória e é composta pela combinação de pressão expiratória e oscilações de fluxo expiratório, isto é o fluxo de ar gerado durante a expiração do paciente no dispositivo. A vantagem da adição da oscilação é que ela auxilia o desprendimento da secreção, facilitando assim seu deslocamento. Os aparelhos que utilizam estes recursos são: o Flutter®, Shaker® e Acapella®; sendo contraindicada a utilização desses instrumentos em situações de franca hemoptise e pneumotórax não tratado. O Acapella® (DHD Healthcare, Wampsville, NY 13163, USA) combina os princípios da alta frequência de oscilação do fluxo expiratório e PEP onde a resistência pode ser ajustada. Diferentemente do Flutter® e do Shaker®, não necessita de restrição na posição corporal do paciente, podendo ser utilizado nas posições de drenagem postural.
- Também considerada uma técnica instrumental o aparelho de compressão torácica de alta frequência conhecido como Vest® é utilizado para favorecer e auxiliar o desprendimento e deslocamento das secreções brônquicas de maneira passiva. O equipamento, composto por um colete ou cinta é ligado a um propulsor de ar que gera a oscilação de alta frequência que será transmitida para todo o tórax do paciente. O movimento rítmico e contínuo promove o deslocamento de secreções da periferia para vias centrais, de maneira que possam ser eliminadas pela tosse ou aspiração. Não há evidências claras de superioridade desse equipamento em comparação a outras técnicas de fisioterapia. Vários trabalhos de observação de curto prazo foram incapazes de demonstrar qualquer diferença entre o Vest e outras técnicas de depuração pulmonar. Entretanto, em dois estudos de longo prazo de acompanhamento a terapia pelo Vest foi associada a um aumento no número de exacerbações pulmonares em alguns pacientes, e diminuição da função pulmonar em outros. Pouco utilizado no Brasil
É importante salientar que a atividade física regular tem sido recomendada como um recurso adjunto da fisioterapia respiratória na doença pulmonar obstrutiva crônica, tal como na FC, por contribuir para a mobilização de secreção, melhorar o desempenho cardiovascular e a “endurance” dos músculos respiratórios. O exercício físico promove o aumento da ventilação minuto, leva à mobilização das secreções e favorece a limpeza brônquica, podendo ser um recurso coadjuvante na terapia desobstrutiva. A análise de estudos envolvendo a adição de exercício físico às técnicas de higiene brônquica na FC identificou aumento significativo no parâmetro espirométrico de VEF1, em comparação com utilização de técnicas isoladas. Mas não há evidências de que o exercício possa substituir as técnicas desobstrutivas brônquicas.
A aptidão física é um preditor independente de sobrevida e da qualidade de vida dos pacientes. Por esta razão recomenda-se que todos os pacientes sejam encorajados a praticar exercícios várias vezes por semana, preferencialmente atividades como: caminhadas, corridas, natação, ciclismo, dança, artes marciais e esportes coletivos como futebol, basquete e vôlei. A indicação da modalidade do exercício físico deve ser apreciada anteriormente pelo médico e o fisioterapeuta da equipe multidisciplinar e deve respeitar prioritariamente a preferência do paciente.
Conforme exposto acima, o papel do fisioterapeuta no tratamento da fibrose cística é considerado imprescindível a partir do diagnóstico até a vida adulta. O fisioterapeuta da equipe multidisciplinar tem funções e atribuições amplas na condução e ajustes do tratamento bem como na identificação de dificuldades na adesão. A proximidade com o paciente e seus familiares deve ser uma forte ferramenta para melhorar a adesão ao tratamento considerado hoje um grande desafio no manejo do paciente com fibrose cística e em consequência a melhora da qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares.
O sucesso e a adesão do paciente ao tratamento fisioterápico dependem da capacidade do fisioterapeuta de prescrever e ajustar as técnicas às necessidades do paciente, levando em consideração as condições clínicas, o crescimento e desenvolvimento, bem como as condições sociais do paciente quando criança, adolescente e adulto.
Referências:
- 1: Doyle B. Physical therapy in treatment of cystic fibrosis. Phys Therapy Rev 1959; 39:24 – 27
- Lannefors L et al. Physiotherapy in infants and young children with cystic fibrosis: current practice and future developments. Journal of the Royal Society of Medicine 2004; (Suppl 44): 8-25.
- Button BM et al. Physiotherapy for cystic fibrosis in Australia and New Zealand: A clinical practice guideline. Respirology 2016; 21, 656 –667.
- Flume PA et al. Cystic Fibrosis Pulmonary Guidelines: Airway Clearance Therapies. RESPIRATORY CARE 2009; (54), 522-537.
- McIlwaine M, Bradley J, Elborn JS, et al. Personalising airway clearance in chronic lung disease. Eur Respir Rev 2017; 26: 160086
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