Relato de um transplante, por Mariana Faria
Instituto Unidos pela Vida - 27/01/2016 12:48Olá, sou Mariana Faria e tenho 24 anos. Estou aqui para falar a respeito de um assunto ainda um tanto desconhecido: o transplante pulmonar.
Nasci com uma doença genética chamada Fibrose Cística (FC). Fui diagnosticada aos sete meses e desde então, iniciei meu tratamento no HC de São Paulo. Desde o princípio, me acostumei a ter uma rotina de acompanhamento médico, aprendi desde muito nova a importância da responsabilidade e da disciplina, fundamentais quando o assunto é cuidados com a saúde. Sim, a FC exige muita dedicação, já que os pulmões da pessoa com FC produzem uma secreção mais espessa, necessitando de inalações, sessões de fisioterapias de higiene brônquica, e o uso de antibióticos para evitar infecções que comprometem o aparelho respiratório.
Além dos pulmões, a FC também pode prejudicar a parte pancreática e intestinal, sendo necessário o uso de enzimas para ajudar na digestão dos alimentos.
Pois então, vivi relativamente bem, sem complicações até meus 14 anos. Com esta idade, comecei a apresentar quadros de infecções mais significativos. Nessa época comecei a apresentar uma bronquectasia, atelectasia e alguns comprometimentos, como pequenas hemoptises. Com isso, veio também o cansaço. Foi quando comecei a usar oxigênio, de início apenas no período noturno, enquanto dormia.
O tempo passou e eu consegui concluir o ensino médio. Os últimos meses foram muito difíceis por conta da falta de ar, mas eu não desisti e concluí. Assim que saí da escola, minha saúde piorou ainda mais. Passei a usar o oxigênio por 24 horas. Além disso, usava para dormir o BIPAP, aparelho que me ajudava na respiração, por cumprir o papel de reexpandir os pulmões. Usar O2 por 24 horas era terrível, pois toda a minha independência ficara muito comprometida. Assim que fui transferida do Instituto da Criança para o InCor, após meus 18 anos, iniciamos uma batalha conta o tempo. Minhas infecções tornaram-se parte de mim.
Minha rotina passou a ser de 30 dias internada, quatro dias em casa e assim sucessivamente. Foi quando um médio vei falar comigo sobre a necessidade do transplante. Essa, segundo ele, seria a única forma de eu ter uma nova oportunidade de viver. Dali em diante, a minha vida, e a vida da minha família, mudou bastante. Tivemos que nos unir ainda mais.
Sete meses em casa tomando antibióticos para tentar “acalmar” as infecções, até que o previsível aconteceu. As bactérias tornaram-se resistentes aquela medicação, e isso fez com que eu tivesse que ser acompanhada mais de perto, num longo período de internação no InCor, utilizando diversos antibióticos venosos, associando a vários métodos de fisioterapia e exercícios para fortalecer a musculatura.
Neste período, por volta de novembro de 2010, entrei oficialmente em lista de transplante pulmonar. Os cuidados que já eram grandes, passaram a ser gigantes. Foi uma corrida pra salvar minha vida. Durante este período de meses internada, tive algumas complicações, precisando de UTI. Estava há uns oito meses no InCor, já cansada, alcançando meu limite mesmo, quando recebo a notícia de que meu transplante poderia ser aquele dia!
O grande dia
Naquela tarde, eu estava sozinha. Meus pais haviam acabado de voltar para nossa cidade. Meu pai, era meu cuidador, e ficava comigo na internação. Minha mãe, cuidava de minha outra irmã, do trabalho, casa e tudo mais. Aos finais de semana, ia me visitar.
Ao ser confirmado que meu transplante seria naquele dia (09 de agosto de 2012), senti uma alegria inexplicável, paz e muita gratidão. Rapidamente liguei para meus pais, que haviam retornado a Santo Antonio, e então, alegres e ansiosos, eles voltaram à São Paulo. Não tive tempo de vê-los, já que a cidade fica a quase 3 horas de viagem. Uma amiga de São Paulo me acompanhou até o centro cirúrgico. E assim, iniciava-se mais uma etapa, dum caminho árduo, porém cheio de esperança, fé em Deus e aprendizados.
A cirurgia
Meu transplante teve duração 15 horas. Tudo ocorreu bem. Respondi bem à grande cirurgia. Já na UTI, lembro-me que, ao abrir os olhos, eu estava muito emocionada, olhei ao redor, entubada, e disse a mim mesma: “Meu Deus, consegui! O Senhor está me dando a vida de volta”. Foi aí que conheci, e acho que foi a primeira pessoa que vi na UTI, um amável enfermeiro que veio até mim, me acalmou e disse que estava tudo ocorrendo bem. Não consigo recordar muita coisa deste momento, já que eu ainda estava sob efeitos de sedativos. Lembro-me que ele molhava minha boca com gaze embebedada de água. Aquele tubo me causava uma sede terrível.
Tudo estava indo bem quando, 48 horas após o transplante, eu apresentei uma complicação. Apresentei disfunção primária do enxerto, ou seja, meus novos pulmões estavam perdendo a função. A única alternativa, era me instalar em uma máquina, uma espécie de pulmão artificial. Isso tudo enquanto eu estava sedada. Só recordo que, quando abri os olhos novamente, eu estava amarrada com meus pais ao lado da cama. Minha mãe me disse: Filha, não mexa teu pescoço, e nem a perna esquerda, pois você está “conectada” a uma máquina e tem uma cânula em teu pescoço e outra na perna. Eu, nada via e nada sentia, já que mal tinha forças pra abrir as mãos.
Sedativos foram retirados, aos poucos, e então em me dei conta do que era a tal ECMO, aquela cânula grossa inserida em minha veia do pescoço e outra na perna. Ao tocar na cânula, sentir meu sangue quente passando, me assustei, mas minha alegria e gratidão, emoção, permanecia. Fiquei por sete dias na ECMO, meus pulmões ficaram tão comprometidos, que fui colocada numa fila de re-transplante. Não bastasse isso, meu intestino parou de funcionar. Vários métodos foram utilizados a fim de desobstruir uma rolha de fezes e resíduos que interrompia o funcionamento. Nenhum exame, nada, deu certo. Colonoscopia, enteroscopia, dezenas que lavagens, e nada.
Foram longos 40 dias com muita dor, sem comer nada, apenas com uma dieta intravenosa, uns goles de água e um picolé por dia. Eu ia ficando cada vez mais fraca e minha barriga endurecia, crescia a cada dia. Duas sondas nas narinas, uma ia ao estômago para retirar aquele líquido que produzimos, e outra no intestino, fazia lavagem conta gotas com medicações, na tentativa de fluidificar, desprender aquela rolha do intestino delgado. Nenhum sinal positivo e aquelas dores intensas, angústia, muita morfina, buscopan, para tentar aliviar. Eu pedia para abrirem minha barriga. Eessa foi mesmo a decisão dos médicos. Eu teria mesmo que ser submetida a outra grande cirurgia. E assim fui, outra vez para a mesa.
Os pulmões ainda estavam bem comprometidos, mas o risco de não fazer nada era ainda maior. Não tenho muitas recordações, mas sei que ocorreu tudo bem. Voltei para a UTI, já com o intestino operado e “limpo”. Precisei de doses cavalares de pulsoterapia, pois com aqueles 40 dias sem comer, eu também não pude utilizar os imunossupressores. Com isso, tive a temida rejeição. Mas, mais uma vez, Deus não me deixou partir.
Perdi toda a força a equilíbrio do corpo, emagreci muito, consegui voltar a dar uns pequenos passos, após quatro meses de muita fisioterapia.
Hoje, meus pulmões estão recuperados. Intestino após duas cirurgias, também está saudável, e fiquei livre das crises convulsivas. Sim, eu também tive isso!
Médicos da equipe dizem que meu caso foi um grande milagre.
Desde que soube que precisaria de um transplante, pensei: “Já que estou neste barco há anos, quero remar, ainda com mais força”.
Entreguei meu corpo e alma a Deus, e pedia que Ele fizesse sua vontade. Não fui polpada de dor, medo, angústia, aflição, de nada de ruim, porém meu espírito foi preparado e tive o conhecimento do poder da fé, do que é viver e acreditar naquilo que não vemos.
Minha gratidão é profunda, por toda a minha família, em especial meus pais, irmãs; ao pessoal todo do InCor, toda a equipe; aos padres que cuidaram da minha parte espiritual e às psicólogas que ajudaram com meu emocional.
À minha doadora que, mesmo sem saber, salvou a minha vida e à família dela que me concedeu estes abençoados pulmões eu agradeço, assim como agradeço a todos que oraram por mim.
Enfim, quero encerrar, falando da importância da doação de órgãos. Eu estive no fundo de um abismo e fui salva, assim como muitos amigos meus transplantados.
Deixe um legado, doe! Avise a família, esta é uma belíssima e importante atitude.
O transplante me proporcionou uma bela visão do simples da vida. Pude ver como é bonito respirar, se alimentar, ter saúde e pessoas amáveis próximas, como o ser que é solidário, e gentil é bonito. Como é bonito amar ao outro e a vida e como Deus é lindo.