Trikafta® pode reduzir a carga microbiana nociva nas vias aéreas de pessoas com fibrose cística após um ano

Comunicação IUPV - 10/04/2023 07:23

Melhoras significativas são observadas no peso corporal e na função pulmonar dos pacientes 

Foi observado que o elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta®) diminui com sucesso a carga microbiana nas vias aéreas de pessoas com fibrose cística após um ano de terapia, de acordo com um novo estudo. O tratamento com a terapia tripla reduziu acentuadamente a abundância de Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus, duas bactérias nocivas comumente encontradas em pulmões de pessoas com fibrose cística. Também melhorou a diversidade de micróbios comumente encontrados. Para os pacientes, também resultou em ganhos consideráveis no peso corporal e na função pulmonar três meses após o início do tratamento com a medicação.

Estudos mais longos agora são necessários para determinar se esses efeitos são sustentáveis e protegem contra reinfecções prejudiciais, observaram os pesquisadores. O estudo microbiano, “O impacto da terapia com Elexacaftor/Tezacaftor/Ivacaftor na microbiota metagenômica nas vias aéreas de pessoas com FC”, foi publicado na revista Microbiology Spectrum.

Na fibrose cística, mutações no gene CFTR levam a defeitos na proteína CFTR codificada, resultando no acúmulo anormal de muco espesso em vários órgãos. Entre os órgãos afetados estão os pulmões, intestino, pâncreas e fígado. 

O Trikafta é uma terapia de combinação de moduladores projetada para corrigir múltiplos defeitos na proteína CFTR. É comercializado pela empresa Vertex Pharmaceuticals e, no Brasil, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária somente para uso em pessoas com fibrose cística com 6 anos de idade ou mais e que tenham pelo menos uma mutação DeltaF508 no gene regulador da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR). A terapia demonstrou melhorar substancialmente a função pulmonar e a qualidade de vida dos pacientes.

Quebrando o ciclo de infecção na fibrose cística

As infecções crônicas das vias aéreas são uma complicação comum da fibrose cística que dá origem a um ciclo prejudicial de infecção, inflamação e dano tecidual que afeta os resultados a longo prazo e a qualidade de vida. Embora a composição das cepas bacterianas nas vias aéreas de quem tem a doença tenha sido amplamente estudada, os micro-organismos encontrados no pulmão desses pacientes consistem não apenas em espécies bacterianas, mas também em vírus e fungos.

O sequenciamento shotgun de todo o genoma (WGS) é uma técnica de análise genética usada para identificar todos os tipos de micro-organismos, não apenas bactérias, chamada de metagenoma. O estudo publicado por pesquisadores da Hannover Medical School, na Alemanha, descreveu o impacto de um ano de Trikafta no metagenoma microbiano das vias aéreas de pacientes com fibrose cística pela técnica de WGS.

A equipe recrutou 31 pessoas – 18 mulheres e 13 homens – com fibrose cística. A idade dos pacientes variou de 12,1 a 44,8 anos, com idade média de 16,2. Todos apresentavam insuficiência pancreática, uma complicação da doença que ocorre quando o pâncreas não produz enzimas digestivas suficientes. Entre eles, 18 carregavam uma e 13 tinham duas mutações DeltaF508.

Amostras microbianas foram coletadas antes do tratamento com Trikafta e, novamente, cerca de quatro e 13 meses depois, por escarro induzido ou swabs das vias aéreas para tosse profunda. A avaliação inicial constatou que 11 participantes estavam cronicamente infectados com P. aeruginosa.

As respostas clínicas ao Trikafta após 14 semanas, ou apenas mais de três meses, mostraram melhorias altamente significativas no peso corporal, função pulmonar e biomarcadores CFTR. Essas melhorias foram mantidas após 50 semanas (cerca de um ano).

A técnica de GWS antes da exposição ao Trikafta foi capaz de distinguir entre pacientes capazes de produzir escarro após a indução, aqueles com maior probabilidade de transportar micróbios nocivos – como P. aeruginosa, S. aureus e Haemophilus influenzae – e aqueles que não conseguiram produzir escarro. Uma única espécie dominou as vias aéreas de 10 indivíduos, significando uma abundância relativa de mais de 50% da abundância total. Após 14 semanas de Trikafta, a maioria dos participantes não conseguiu produzir escarro; como tal, o metagenoma das vias aéreas foi avaliado principalmente por swabs de tosse profunda após a inalação.

Efeito do Trikafta na carga microbiana

O estudo demonstrou que o metagenoma das vias aéreas consiste predominantemente em espécies de ocorrência comum, como Prevotella, Rothia, Streptococcus e Veillonella spp. Ainda assim, a dominância de uma única espécie diminuiu no geral, incluindo a abundância de P. aeruginosa e S. aureus.

Após um ano de Trikafta, os padrões de abundância de micróbios para todos os pacientes tornaram-se ainda mais homogêneos, ou semelhantes, sem espécies dominantes e equilibrados com uma alta proporção de espécies comuns.

Nos 10 pacientes com uma única espécie altamente dominante antes do tratamento, menos de 5% das espécies foram consideradas raras. Após 14 semanas, e mais ainda após um ano, esses pacientes apresentaram maior proporção de espécies raras — mediana de 15% após 14 semanas e de 37% após 50 semanas.

Antes do Trikafta, sete dos pacientes estavam infectados com P. aeruginosa, que foi acentuadamente reduzido em 14 semanas de tratamento, com a maioria não apresentando P. aeruginosa detectável. Resultados semelhantes foram observados em 11 pacientes infectados com S. aureus e 11 com H. influenzae. Em seis indivíduos, o DNA do H. influenzae foi detectado recentemente em 14 semanas e um ano após o teste ser negativo antes do tratamento.

“Consideramos encorajador que o Trikafta possa converter os dois principais patógenos da fibrose cística [P. aeruginosa e S. aureus] em membros raros da comunidade microbiana das vias aéreas no cenário da doença”, escreveram os pesquisadores.

Uma comparação entre os dados do metagenoma e as características clínicas descobriu que a pior função pulmonar estava significativamente correlacionada com uma maior abundância de P. aeruginosa e S. aureus, menor correlação com a H. influenzae e com menor diversidade microbiana. Além disso, P. aeruginosa correlacionou-se positivamente com idade mais avançada e maior carga bacteriana.

A concentração elevada de cloreto no suor, um marcador para a proteína CFTR defeituosa, correlacionou-se com uma maior abundância de S. aureus e aumento da carga bacteriana total. Piores escores de diferença de potencial nasal, também um teste de função CFTR, foram associados com carga bacteriana total e menor diversidade microbiana.

Por fim, a equipe mediu o impacto do Trikafta na rede de co-ocorrência microbiana, definida como uma conexão entre diferentes micróbios com base em sua presença conjunta. Após 14 semanas de tratamento, houve uma única rede de co-ocorrência. Em contraste, antes do tratamento e após um ano, a rede de co-ocorrência era mais fragmentada.

“Devemos permanecer cautelosos com a extrapolação de longo prazo, porque a rede de co-ocorrência foi fortemente estabilizada de forma intermitente após 3 meses de terapia tripla, mas 9 meses depois se desintegrou em fragmentos que agora se assemelhavam mais à rede pré-[Trikafta]”, escreveu a equipe.

No geral, o estudo “demonstra que a terapia com Trikafta é bem sucedida na redução da carga com S. aureus e P. aeruginosa e na conversão da microbiota das vias aéreas em uma comunidade de [micróbios comumente encontrados] 3 e 12 meses após o início da terapia”, concluíram os pesquisadores, embora “a rede microbiana permanecesse vulnerável à fragmentação”.

“Estudos de longo prazo terão que avaliar se o ganho impressionante da função CFTR resulta em mudanças sustentáveis no metagenoma microbiano das vias aéreas em direção à diminuição [desequilíbrio microbiano], como um determinante chave da progressão da doença pulmonar na fibrose cística”, escreveram os pesquisadores.

Fonte: https://cysticfibrosisnewstoday.com/news/trikafta-1-year-reduces-harmful-microbial-load-cf-airways/ . Acesso em 11 de janeiro de 2023.

Traduzido por: Mariana Camargo, biomédica, PhD e mãe da Sofia, diagnosticada com fibrose cística.

Revisão: Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, fundadora e diretora executiva do Unidos pela Vida, diagnosticada com fibrose cística aos 23 anos. Psicóloga, especialista em análise do comportamento, tem MBA em Direitos Sociais e Políticas Públicas e Mestranda em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Avaliação de Tecnologias de Saúde pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.

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