Pesquisador da Unicamp investiga infecção por Pseudomonas aeruginosa na Fibrose Cística
Comunicação IUPV - 04/02/2019 10:13A doença pulmonar crônica, um dos sintomas mais comuns em pessoas com Fibrose Cística, está sendo estudada no Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A pesquisa Infecção por Pseudomonas aeruginosa nas vias aéreas da Fibrose Cística: detecção precoce e funcionalidade da resposta imune humoral específica foi realizada pelo biomédico Renan Mauch, com orientação do professor Carlos Emílio Levy, da FCM, e a coorientação do professor Niels Høiby, da Universidade de Copenhague, Dinamarca.
Durante a realização da pesquisa, Renan aplicou um teste baseado na detecção de IgA secretora (IgAs), um anticorpo produzido contra a Pseudomonas aeruginosa, em saliva, buscando a detecção precoce dessa bactéria, principal causadora de infecções pulmonares crônicas em pessoas com Fibrose Cística. Os pesquisadores também investigaram possíveis falhas na produção de anticorpos específicos que podem levar à persistência da Pseudomonas aeruginosa nos pulmões de quem tem a doença.
Infecções por Pseudomonas aeruginosa
A não expressão ou mau funcionamento da proteína CFTR é o defeito básico da Fibrose Cística. Uma das consequências disso é a alteração da composição do muco que reveste as vias aéreas. Nos pulmões de pessoas com Fibrose Cística, esse muco se torna mais espesso que o normal e se acumula nas vias aéreas, situação que causa obstrução e dificuldade de eliminação de microorganismos ali presentes, principalmente bactérias. Isso significa que algumas bactérias que normalmente não causam nenhum tipo de problema para a saúde de pessoas que não têm Fibrose Cística, acabam trazendo problemas graves para quem tem a doença. Com o passar do tempo, as infecções são acompanhadas de reações inflamatórias intensas, levando a lesões no tecido pulmonar e insuficiência respiratória crônica.
A infecção por Pseudomonas aeruginosa é a principal causa de morbidade e mortalidade por conta dos mecanismos de adaptação dessa bactéria ao ambiente anormal dos pulmões de quem tem Fibrose Cística. Renan explica que, na fase crônica da infecção pulmonar, essa bactéria produz uma variedade de componentes para se adaptar ao ambiente pulmonar, em particular uma estrutura chamada biofilme, que atua como um escudo protetor dentro do qual a bactéria cresce de maneira mais lenta e é protegida contra a ação de antibióticos e componentes do sistema imune. Por isso, nessa fase da infecção, é praticamente impossível a erradicação da infecção por meio do uso de antibióticos.
“Assim, a detecção precoce da Pseudomonas por meio de um teste que possa ser aplicadol na rotina clínica é fundamental. A IgA secretora é o principal anticorpo e a barreira imunológica mais importante nas mucosas, em que atua impedindo a aderência e a penetração dos microorganismos. Esse anticorpo pode ser detectado em saliva, que é uma amostra muito fácil de ser coletada. Nosso teste é baseado em Ensaio de Imunoabsorção Enzimática (ELISA). É um teste simples, relativamente rápido e barato, e várias amostras podem ser analisadas em um único dia”, explica Renan.
O diagnóstico da infecção pulmonar por Pseudomonas normalmente é realizado por meio da cultura microbiológica de amostras de vias aéreas do sistema respiratório. O escarro é a amostra de referência, porém, a maioria dos pacientes – principalmente crianças – não é capaz de expectorar uma quantidade suficiente de escarro para a realização do exame, que é feito a cada três meses na maioria dos centros de referência do Brasil.
Resultados
A concentração de anticorpos contra a Pseudomonas foi medido na saliva de 102 pessoas com Fibrose Cística entre 2 e 30 anos de idade. Além disso, foi feito um acompanhamento de três anos de 65 pessoas atendidas no ambulatório de Fibrose Cística do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp para observar as variações nos níveis de anticorpos durante esse período e avaliar a capacidade do teste de detectar precocemente a presença da bactéria.
O teste detectou níveis aumentados de IgAs contra a Pseudomonas em saliva até 22 meses antes da detecção por cultura de material respiratório ou sorologia. A sensibilidade do teste foi de 87%. “Além disso, se o resultado do teste é negativo, há 92% de probabilidade de que a pessoa não tenha infecção pulmonar crônica”, diz Renan.
A pesquisa também mostrou que um resultado positivo do teste no primeiro ano de seguimento dos pacientes com a doença implicou em um risco de até 12,5 vezes maior de exposição à bactéria nos pulmões nos dois anos seguintes.
Recentemente, uma série de estudos vem sugerindo que as vias aéreas superiores – mais precisamente os seios da fase – formam o nicho inicial de colonização por Pseudomonas na Fibrose Cística. Segundo Renan, isso é o que dá mais importância para a pesquisa.
“É uma hipótese chamada de Vias Aéreas Unidas. Seria o seguinte: a bactéria coloniza primeiro as vias aéreas superiores. Diferente do que acontece nos pulmões, a resposta imune à bactéria nessa região não é inflamatória. Assim, a pessoa com Fibrose Cística tende a não relatar a colonização. Após um tempo, a Pseudomonas é aspirada para as vias aéreas inferiores, na qual causa a infecção pulmonar persistente. A IgAs em saliva é um potencial marcador de colonização por Pseudomonas nas vias aéreas superiores. Assim, o teste pode ser útil para identificar a presença da bactérias nos seios da face. Seria uma alternativa muito mais acessível do que a cultura microbiológica de amostras dos seios da face, que é o padrão de referência, mas é muito difícil de ser realizada, por conta da dificuldade em coletar amostras dessa região. Os resultados são animadores, porém, essa habilidade do teste ainda precisa ser confirmada em estudos futuros. Caso confirmada, isso pode abrir uma janela de oportunidades para detecção e tratamento precoce da infecção, antes da bactéria ser aspirada para os pulmões”, afirma Renan.
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