Atraso no início da dispensação do medicamento Trikafta no estado de São Paulo preocupa pacientes com fibrose cística e familiares

Comunicação IUPV - 26/06/2024 11:47
Atraso Trikafta no estado de São Paulo

A promessa de acesso ao medicamento elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta®) para pacientes com fibrose cística no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não se concretizou no estado de São Paulo, gerando frustração e preocupação entre profissionais da saúde, pacientes e suas famílias. Apesar da dispensação já ter sido iniciada em vários lugares do país em maio de 2024, o estado, que concentra o maior número de pessoas diagnosticadas com  a doença no Brasil, enfrenta uma grave crise na distribuição do tratamento.

O Trikafta®, um modulador da proteína cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR) que revolucionou o tratamento da fibrose cística ao agir diretamente na causa da doença, já deveria estar disponível para todos os pacientes elegíveis e com indicação médica para uso conforme estabelecido pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da patologia. No entanto, relatos recentes indicam que, em São Paulo, o medicamento está retido em um depósito em Guarulhos/SP desde 30 de abril de 2024, sem informações claras sobre a quantidade disponível.

O Ministério da Saúde decidiu pela incorporação do Trikafta® no SUS em agosto de 2023 para o tratamento de pessoas com fibrose cística acima de 6 anos com pelo menos uma mutação F508del no gene CFTR. O anúncio da decisão ocorreu em 11 de setembro do mesmo ano e envolveu grande atividade midiática, com declarações da Ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, afirmando que o medicamento estaria disponível para as pessoas elegíveis em 120 dias.

Falta de transparência

A falta de comunicação e a ausência de transparência por parte da Secretaria Estadual de Saúde têm sido criticadas pelos profissionais de saúde e pelas organizações que representam os pacientes. “Isso resultou na negativa de cadastro e falta de geração de demanda do medicamento, mesmo quando toda a documentação necessária foi apresentada pelos pacientes”, explica Dr. Luiz Vicente Ribeiro, pneumologista pediátrico e coordenador executivo do Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC).

O profissional afirma ainda que existe uma discrepância significativa entre as diretrizes nacionais previstas no PCDT e as exigências estaduais para a dispensação dos medicamentos. “Essa falta de alinhamento resultou em um desempenho insatisfatório na dispensação dos fármacos no estado de São Paulo”, lamenta o pneumologista.

Além do Trikafta®, existe outro modulador da proteína CFTR que também está incorporado ao SUS e já está sendo dispensado no estado, o ivacaftor (Kalydeco). “Ele demanda os mesmos cuidados de verificação de eficácia e segurança, mas não houve nenhum impedimento similar na dispensação”, compartilhou Dr. Luiz Vicente.

Ele ainda informa que não houve nenhum diálogo da Secretaria Estadual de Saúde com os profissionais envolvidos no processo de prescrição e acompanhamento dos casos “e todas as decisões foram tomadas de forma unilateral, com uma interpretação livre e errônea do PCDT, impedindo o acesso a esse tratamento transformador.”

“Os centros de saúde planejavam realizar mutirões para distribuir o medicamento. No entanto, a falta de informações claras sobre o estoque em Guarulhos/SP e os obstáculos ao acesso imediato estão dificultando a organização dos profissionais para priorizar os casos mais urgentes. Essas informações são essenciais para garantir que o tratamento necessário seja entregue de forma eficaz e oportuna”, afirmou o pneumologista.

Monitoramento

Dr. Luiz Vicente relembra que profissionais do Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC) participaram de reuniões da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) durante o processo decisório de incorporação do medicamento, bem como da discussão sobre o novo PCDT. 

“Como parte de nosso compromisso com o Ministério da Saúde, prometemos acompanhar de forma prospectiva e divulgar os desfechos dos casos tratados com o medicamento. Essa iniciativa, ao lado do Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC), já está em andamento, sem qualquer despesa para o sistema público de saúde, uma vez que é inteiramente custeada pelo GBEFC”, ressaltou.

Impacto para os pacientes

De acordo com a Associação Paulista de Apoio aos Pacientes com Fibrose Cística (APAM), o impacto dessa falha administrativa é significativo para os 634 pacientes paulistas elegíveis para receber o tratamento, que residem em regiões do estado como São José do Rio Preto, ABC, Botucatu e Ribeirão Preto, e que realizam o acompanhamento em Centros de Referência como o Hospital das Clínicas de São Paulo (adulto e infantil), Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Para Jether Fernando Cardoso, vice-presidente da Associação Paulista de Apoio aos Pacientes com Fibrose Cística (APAM), “é inaceitável que os pacientes estejam enfrentando agravamento dos sintomas e progressão da doença devido à falta de gestão e burocracia”. Ele apela para que as autoridades competentes intervenham imediatamente para resolver essa questão.

Jether ressalta que a disponibilização oportuna do Trikafta® é crucial para melhorar a qualidade de vida e prolongar a sobrevida das pessoas elegíveis e com indicação médica para uso. “A ausência desse medicamento, considerado vital para quem tem fibrose cística, coloca em risco a saúde dos pacientes. Muitos deles enfrentam a piora mais rápida da doença, o que poderia ser evitado com o acesso ágil a esse tratamento.”

O vice-presidente da APAM ainda afirma que “essa denúncia pública visa alertar a população e as autoridades sobre a urgência em resolver essa crise de distribuição do medicamento, garantindo que todas as pessoas elegíveis recebam o tratamento necessário conforme determinado pelas diretrizes nacionais.”

Sobre a fibrose cística

A fibrose cística é uma doença genética rara e ainda sem cura conhecida. Também conhecida como Mucoviscidose ou Doença do Beijo Salgado, é resultado da disfunção da proteína cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR), o que faz com que toda a secreção do organismo seja mais espessa que o normal, dificultando sua eliminação.

Os principais sintomas da fibrose cística são as tosses crônicas, pneumonias de repetição, pólipos nasais, diarreia, suor mais salgado que o normal e dificuldade para ganhar peso e estatura. A triagem da fibrose cística é feita pelo Teste do Pezinho e a confirmação é feita pelo Teste do Suor ou exames genéticos. 

Doença genética grave, a fibrose cística afeta diversos órgãos e sistemas do corpo humano, o que resulta em redução da expectativa de vida. No Brasil, a mediana de idade em que as pessoas com a doença morrem não atinge 20 anos, de acordo com o Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC), documento produzido desde 2009 pelo Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC) e disponível em www.gbefc.org.br

Dr. Luiz Vicente afirma que os medicamentos disponíveis até pouco tempo para o tratamento da doença “visavam apenas atenuar as consequências da disfunção da proteína CFTR, auxiliando na digestão dos alimentos, na fluidificação das secreções pulmonares e no combate às infecções respiratórias”. Ainda de acordo com o pneumologista pediátrico, esse tratamento inclui ainda uma extensa e exaustiva rotina de fisioterapia respiratória e uso de suplementos nutricionais, entre outros aspectos inerentes à execução dos tratamentos por via inalatória, como o preparo e limpeza de inaladores. 

“Essa carga de tratamento é imposta às famílias desde que o diagnóstico é feito, usualmente nos primeiros meses de vida, e transmite-se para a vida do indivíduo jovem, adolescente e adulto, comprometendo a qualidade de vida de toda a família, sua capacidade de trabalhar e viver em sociedade”, relata Dr. Luiz Vicente.

Para o profissional, ainda que alguns desses recursos de tratamento estejam disponíveis no SUS, eles não são suficientes, pois os indivíduos seguem com perda progressiva de sua função pulmonar e precisam de admissões hospitalares sucessivas e prolongadas para tratamento de exacerbações.

“O surgimento dos moduladores da proteína CFTR transformou o tratamento da fibrose cística no mundo, atuando no defeito básico. Ainda que não possam ser considerados uma ‘cura’, seu uso é tão impactante do ponto de vista de desfechos clínicos, que estão indicados apenas com base na genética do paciente, respeitando-se as idades mínimas preconizadas em bula”, finalizou.

Quer fortalecer o trabalho realizado pelo Unidos pela Vida? Clique aqui e escolha a melhor forma de fazer uma doação. 

Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.

Fale conosco