Doenças raras: realidade e desafios no Brasil

Comunicação IUPV - 28/02/2022 07:24

Em 2022, o Dia Mundial das Doenças Raras acontece em 28 de fevereiro. Este ano, a campanha internacional realizada pelo movimento Rare Disease Day tem como mote “Share your colours”, “compartilhe suas cores” em tradução livre, com o objetivo de empoderar pessoas diagnosticadas com uma patologia rara a falarem sobre o tema, suas realidades, dificuldades e demandas.

De acordo com o geneticista Dr. Salmo Raskin, são consideradas como doenças raras aquelas patologias que afetam uma pequena parcela da população. Porém, sua definição pode ser diferente ao redor do mundo.

“A Europa define como doença rara aquela que tem uma taxa de nascimento menor do que 1 para cada 2 mil indivíduos nascidos. Já nos Estados Unidos, o dado é de prevalência na população em um determinado momento. Por exemplo, uma doença que afeta menos de 200 mil pessoas é considerada rara nos EUA”, explica. 

O médico também esclarece como funciona o conceito aqui no País. “No Brasil, nós temos uma absoluta falta de dados epidemiológicos exatos sobre as doenças raras. Se aqui os números forem semelhantes aos da Europa, onde cerca de 6% a 8% da população tem uma doença rara, teríamos entre 12 e 16 milhões de pessoas com uma dessas patologias, mas isso é apenas uma estimativa, pois em nosso país, infelizmente, não sabemos o número certo.”, completa Raskin.

De acordo com o Ministério da Saúde, uma patologia é considerada rara quando afeta até 65 pessoas em um grupo de 100 mil indivíduos. Não se sabe ao certo quantas doenças raras existem atualmente, porém, acredita-se que este número gire em torno de 6 a 8 mil patologias mundialmente.

“Mais de 80% das doenças raras são de causa genética. Por conta disso, praticamente todas as células do corpo da pessoa diagnosticada têm a alteração, o que torna muito difícil o desenvolvimento de tratamentos para essas patologias”, esclarece o Dr. Raskin. 

Mas não é só de más notícias que vive o mundo das doenças raras. “Nos últimos anos tem acontecido uma verdadeira revolução na capacidade de tratar as doenças raras. Isso acontece pela possibilidade revolucionária de reposição da proteína que pode estar faltando por conta da alteração genética. Mais recentemente, essa evolução também foi possível pela capacidade de se alterar o próprio material genético de algumas células principais para cada doença, fazendo com que elas voltem a fazer aquela proteína que não estavam produzindo”, explicou o geneticista.

Desafios não tão raros

Os avanços no desenvolvimento de novos medicamentos e tecnologias que podem trazer mais saúde, qualidade e expectativa de vida para as pessoas diagnosticadas estão alterando o cenário das doenças raras mundialmente. Porém, no Brasil, ainda existem muitas barreiras a serem vencidas para que isso se torne realidade.

De acordo com o médico, o Brasil tem grande dificuldade para a incorporação desse tipo de tecnologia porque a maioria delas tem um custo elevado. “Isso acontece pois o desenvolvimento tecnológico realizado até chegar ao ponto em que elas possam estar disponíveis de maneira segura e eficaz para as pessoas elegíveis é muito caro. Além disso, temos que levar em conta que o número de pessoas que serão beneficiadas é pequeno, já que se trata de uma doença rara. 

Ele também ressalta a dificuldade da incorporação desses medicamentos no País. “Essa discrepância entre o custo alto e uma demanda relativamente pequena tem feito com que o acesso aqui no Brasil seja difícil historicamente. Nossas agências reguladoras estão, lentamente, entendendo que precisam tratar esses medicamentos para patologias raras com métricas diferentes do que tratam os medicamentos para doenças comuns, caso contrário, dificilmente um medicamento para doença rara estaria disponível no Brasil”, afirma Dr. Salmo.

Cenário da fibrose cística

A evolução no cenário de diagnóstico e tratamento para a fibrose cística tem avançado nos últimos anos, porém, Dr. Salmo acredita que ainda há muito trabalho a ser feito para que os brasileiros tenham acesso ao que há de melhor mundialmente para identificar e tratar a patologia.

“Após mais de duas décadas de estudos sobre o gene e a proteína que estão alterados na fibrose cística, começam a surgir medicamentos não só para tratar os sintomas da doença, mas para atingir a raiz da alteração genética na fibrose cística. Isso vem acontecendo de maneira rápida e aprofundada nos últimos anos em países desenvolvidos, mas aqui no Brasil essas incorporações ainda estão lentas. É uma situação delicada, porque já é muito triste não existir um medicamento para uma doença grave, mas talvez pior do que essa situação é existir a tecnologia e você morar em um país que não disponibiliza esse tipo de tratamento para as pessoas elegíveis.”

Em relação ao diagnóstico da fibrose cística, Dr. Salmo acredita que o cenário melhorou de maneira exponencial nas últimas décadas, porém, a existência de uma heterogeneidade entre as regiões do Brasil, um país de dimensões continentais, acabam prejudicando a identificação da doença em vários Estados.

“Isso reflete a desigualdade em nosso país. O Brasil tem grandes disparidades nos atendimentos de saúde, e não seria diferente com as doenças raras. Enquanto algumas regiões possuem um amplo acesso ao diagnóstico da fibrose cística, principalmente por grande da alta cobertura realizada pelo Teste do Pezinho, outras praticamente não oferecem esse exame tão importante e que faz a triagem da doença, ou quando oferecem, ele é realizado com muita dificuldade e baixa qualidade. Isso precisa mudar para que todos os brasileiros que buscam esse diagnóstico tenham o mesmo acesso aos seus direitos.”, revela.

Para finalizar, Dr. Salmo reforça que o acesso ao tratamento para a fibrose cística no Brasil, infelizmente, obedece a mesma lógica da diferença de região para região.“Isso acontece mesmo para os medicamentos mais simples que fazem parte da rotina de tratamento de uma pessoa com fibrose cística. Estados mais desenvolvidos, em geral, conseguem o acesso mais fácil por meio da pressão junto aos gestores de saúde, mas precisamos que isso seja feito de uma forma homogênea”. 

Isso acaba gerando muitos problemas para as pessoas que necessitam dessas drogas. “Em muitas regiões a interrupção do tratamento é algo muito presente. Medicamentos não são entregues como se a doença pudesse deixar de existir por alguns momentos, o que não é verdade, é apenas o acesso que deixa de existir. Neste cenário, temos diversos desafios pela frente no que diz respeito aos cuidados das pessoas com fibrose cística, tanto na melhoria da capacidade do diagnóstico, quanto na ampliação do acesso ao tratamento, desde os mais simples medicamentos até os de última geração e com melhor eficácia.”, finaliza o geneticista.

Neste Dia Mundial das Doenças Raras, o time do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, reforça seu compromisso em trabalhar todos os dias pelo fortalecimento do ecossistema da fibrose cística no Brasil, lutando para ampliar o conhecimento sobre a doença no país e para garantir que todas as pessoas diagnosticadas tenham acesso rápido ao diagnóstico e tratamento adequado. Você pode apoiar esse trabalho em www.unidospelavida.org.br/doe e caso precise da nossa ajuda, entre em contato pelo telefone (41) 99636-9493 ou e-mail contato@unidospelavida.org.br.

Por Kamila Vintureli

Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.

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