Marcas internas – Por Rafaeli Dallabrida
Comunicação IUPV - 14/04/2022 14:47Rafaeli Dallabrida tem fibrose cística e é estudante de Psicologia
Primeiramente, gostaria de destacar que, antes de falarmos de uma patologia, estamos falando de um ser humano.
Pi.. pi… pi.. pi… A bomba de medicação que pinga o medicamento na veia estava apitando, dizendo que tinha algo errado e, muitas vezes, esse algo errado era com o acesso apontando que perdi a veia. Um diagnóstico e uma vida de aventuras por meio dele para enfrentar. Medo, angústia e mil ambientes inesperados. É assim que eu muitas vezes me sinto em relação à fibrose cística.
Uma doença que cada vez mais progride por si só, demanda diversos cuidados, medicamentos diários e um psicológico forte para encarar tudo isso com fé, esperança e com a mentalidade de que se precisa fazer de tudo para conseguir sobreviver.
Falar das marcas causadas pela fibrose cística é, muitas vezes, falar mais de marcas internas do que externas, afinal, uma patologia não precisa ter “cara de doença ou doente” como muitos acham. Por conta disso, quando a gente precisa ficar internado, muitos se assustam, pois parecíamos bem e, “do nada”, paramos em uma cama de hospital, situação que poucos sabem a exaustão que nos causa por dentro.
A internação hospitalar vivenciada pela maioria das pessoas com fibrose cística é uma realidade dura e cheia de vendas. Ao precisar enfrentar de 14 a 21 dias de um ciclo de antibióticos, muita coisa acontece junto.
Durante esse período, passamos por procedimentos invasivos, exames de sangue, fazemos testagem de HGT quatro vezes ao dia, verificação de sinais, e muitas pessoas são submetidas a injeções de heparina (duas por dia dentro de quinze dias resultam em trinta injeções), além de ter que cuidar pra não perder acesso e torcer para as veias, que já não são tão boas, aguentarem a pancada de antibióticos fortes, porque as inquilinas fiéis, as chamadas bactérias, resolveram incomodar.
Durante essa rotina também precisamos realizar a fisioterapia respiratória de maneira mais intensa e manter mais forte a dieta hipercalórica. E aí eu me pergunto: como tudo isso, e todo o resto que ainda não foi citado, não vão causar danos psicológicos em alguém?
Claro que preciso admitir que, graças à evolução do mundo e da Medicina, muitas coisas estão mais fáceis e podem tornar essa vida hospitalar e também de exames mais leve, causando menos impacto nas crianças que estão começando a enfrentar tudo isso e aliviar para quem já enfrenta há tempos. Um exemplo disso é o surgimento do Cateter Central de Inserção Periférica (PICC). Mesmo que sua inserção seja um pouco invasiva e desconfortável, depois ele é maravilhoso por durar um longo período de tempo, trazendo mais conforto e evitando a perda da veia como em um acesso normal, sem contar também que os exames de sangue podem ser realizados por ele.
Tudo que ocorre faz com que cada um lide com a situação de uma forma diferente, mas não podemos negar que muitas vezes nosso corpo fica submetido a algo como se fosse uma realidade paralela, onde devemos aceitar o que precisa ser feito para que possamos melhorar, e só depois tentar lidar com os traumas gerados pelas situações.
Neste cenário, o difícil é fazer com que as pessoas ao nosso redor entendam que qualquer “surto” relacionado à doença não é um “chororô” ou drama, mas sim traumas e danos psicológicos causados por diversas situações que vamos sendo expostos ao decorrer da vida para manter o nosso bem-estar e qualidade de vida.
Muitas vezes ficamos cansados sim por precisar cuidar da nossa saúde e ainda ter que encarar situações difíceis como internações ou procedimentos, mas temos que continuar por nós e por quem nos ama, mesmo que isso custe novas marcas.
A fibrose cística não está estampada em nossa cara de forma visível, e as pessoas e profissionais, por mais que entendam algo da nossa luta ou saibam o que precisa ser feito para que possamos ficar bem, nunca vão entender o que é conviver com a doença. Por isso, o suporte psicológico torna-se fundamental para quem tem fibrose cística, para que consiga se expressar, aliviar e lidar de forma melhor com tudo isso. Com certeza a compreensão e o apoio dos que rodeiam as pessoas com fibrose cística, como familiares, amigos e os próprios profissionais da saúde que as tratam, são aspectos fundamentais nessa luta.
Afinal, não somos um diagnóstico, somos seres humanos como qualquer um e não queremos ter na cara as palavras “fibrose cística” estampadas para que possamos ter a compreensão de que marcas internas podem machucar muito mais que as físicas, e por isso, toda vez que volto ao hospital, eu me deparo com um grande desafio a ser enfrentado.
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Nota importante: As informações aqui contidas têm cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e/ou o tratamento médico. Em caso de dúvidas, fale com seu médico.