Sobrevivendo graças à ciência: uma vida com Fibrose Cística

Instituto Unidos pela Vida - 04/11/2014 10:00

Não muito tempo atrás, crianças com FC que chegavam até a idade adulta eram consideradas sortudas. Agora elas provavelmente chegarão aos quarentas e muito além, relata a repórter Penny Sarchet.

1.Living with CF photography © Bruno Drummond for Mosaic FINALTalvez eu nunca tivesse conhecido o Rob se não fosse a sua doença. Na universidade ele era um rapaz difícil de ser encontrado entre suas aulas, ensaios da sua orquestra, coro e trampolim acrobático – seu entusiamo valia por três pessoas. Mas Rob só faz o que ele faz porque isso literalmente o ajuda a sobreviver.

“Quando ele nasceu, eu pensei, ok, eu vou fazer tudo e qualquer coisa em meu poder para dar a ele todas as chances possíveis”, diz sua mãe, Alison. Os médicos explicaram que se exercitar é crucial – e quanto antes melhor. “Nós começamos com a natação assim que ele terminou suas vacinas, com quatro meses de idade – ele ia toda semana. Nós brincavámos com ele de cima a baixo e imitavámos um trampolim. Ele começou a treinar toda semana desde quando tinha dois anos até quando completou dezesseis. Ele tentou aprender a tocar trompete, mas o hospital achou que outros instrumentos seriam melhor, então ele começou saxofone em torno dos oito anos de idade”.

O trompete era meu instrumento, e eu conheci Rob tocando na mesma banda estudantil de soul. Ele era o garoto com a risada contagiosa, que compartilhava meu entusiasmo por Motown, e não o menino-com-a-doença-genética. A única indicação que eu tinha da sua condição era quando, no horário do almoço, ele discretamente tirava um frasco com remédios, e com uma habilidade de quem havia praticado por décadas, engolia uma porção de pílulas em um único gole.

Essas cápsulas continham as enzimas digestivas que Rob precisava para processar comida normalmente. Mas elas também eram um símbolo de como a melhora contínua em suas medicações e tratamentos durante a sua vida amenizaram sua condição – e aumentaram drasticamente sua expectativa de vida.

Alison e seu marido, Andy, foram chamados numa sala lotada de um hospital. Seis dias depois de um parto complicado, e com ela ainda se recuperando da césaria. Alison sentou no colo de seu marido, dividindo a única cadeira livre na sala, cercada por seis ou sete médicos e enfermeiras. Seu filho deitava na UTI com pneumonia e gastroenterite. Os médicos disseram que ele tinha fibrose cística.

Fibrose Cística (FC) é causada por um defeito genético, herdado por ambos os pais. Depois de anemia falciforme, FC é uma das doenças genéticas mais comuns para caucasianos – No Reino Unido cinco bêbes nascem com FC por semana, e duas pessoam morrem com a doença por semana. Há aproximadamente 70,000 pessoas com a doença no mundo. O defeito faz o corpo produzir um muco mais espesso que o normal no pulmão – muco que normalmente ajuda a proteger e lubrificar os orgãos internos. Por ser mais espesso, o muco causa uma variedade de sintomas, incluindo diabetes, infertilidade, doenças do fígado, e fragilidade osséa.

O defeito de FC é causado por qualquer uma das quase 2000 mutações possíveis que afetam a proteína CFTR (Regulador de Condutância Transmembrânica em Fibrose Cística), do lado de fora da célula que produzem muco, suor e saliva. A mutação mais comum – chamada delta F508 – faz com que os pacientes percam uma pequena porção de sequência genética em cada um dos genes que compõe o CFTR. Isso leva a perda de uma peça chave crucial, e como resultado a proteína não se dobra corretamente, e é degradada pelo corpo, deixando as células sem CFTR.

Na década de 60, uma criança britânica com FC seria sortuda se ela sobrevivesse depois dos cinco anos de idade. Rob agora tem 26 anos, e metade dos pacientes de FC no Reino Unido podem esperar viver além dos 41. As chances são ainda melhor para bebês nascidos hoje em dia com CF. Quando eu falei com o Rob, ele me contou que o passo com que essas mudanças vem ocorrendo torna as espectativas de vida algo sem sentido.

Cada paciente é afetado pela FC de uma maneira diferente. A maioria das pessoas com a doença morre de infecções bacterianas crônicas que afetando o pulmão muito antes de atingir uma idade avançada.

“É basicamente isso que você fala quando conta à alguém sobre FC”, diz Alison, “que tem algo a ver com os pulmões e a ver com bater no peito.” O ‘bater no peito’ se refere a fisioterapia constante, que vira uma trabalho na vida dessas pessoas, um regime prolongado necessário para prevenir que os pulmões se obstruam, o que poderia levar a dano permanente.

Quando era um bêbe, o fisioterapeuta de Rob levava em torno de 15 minutos, seguidos de intervalos de 10 a 15 minutos segurando o nebulizador no seu rosto com a medicação – da qual ele precisava antes de receber qualquer leite materno. Era comum também entrar e sair do hospital com infecções e gastroenterites. Aos quatro meses de idade, Rob tinha passado quase metade de sua vida no hospital.

Na casa da família em Londres, nós nos sentamos na sala de jantar com uma pilha de álbuns de fotos. As primeiras mostravam um recém nascido muito pequeno e muito magro. Pessoas com FC têm problemas no pâncreas, que normalmente produz uma mistura de enzimas para digerir comida, o que significa que elas tem dificuldades para digerir e absorver gorduras, carboidratos e proteínas. Alison tinha que dar a Rob leite contendo extratos de pancrêas de porcos. Ela lembra como tinha um odor distinto de fazenda que parecia grudar no fundo de sua garganta sempre. “O problema era que no momento que você o misturava na comida, ele começava a digerir o leite. Parecia, e provavelmente tinha um gosto horrível, mas significava que a comida estava sendo quebrada antes de atingir o seu intestino.” Ela tinha que se apressar para dar a mistura para Rob antes que ela tivesse sido completamente digerida.

Contudo, em 1988, a vida de Alison e Rob mudou, graças a Creon. Desenvolvida pela Abbott Farmacêuticos (hoje em dia AbbVie), essas cápsulas substituiam as lipases, proteases e amilases ausentes no sistema digestivo de Rob, o que o permitia digerir toda sua comida sem a necessidade de substâncias de virar o estomâgo extraídas de animais.

Esse foi um milagre. Quando Rob nasceu, os poucos e precários tratamentos disponíveis significavam que crianças com FC tinham grandes dificuldades para digerir e processar gorduras, então dietas sem gorduras eram sempre recomendadas. “É por isso que essas crianças eram sempre magrelas,” lembra Alison. Mas o acesso a enzimas melhores já no começo da vida de Rob fez com que ele pudesse mudar para uma dieta mais rica em óleos e gorduras, e portanto mais calórica. Graças a isso, hoje Rob não tem o aspecto magro e desnutrido que costumava ser característico de pessoas com FC. Ao invés, ele parece como qualquer outro homem nos seus 20 anos, só que com três vezes mais entusiamo.

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Enquanto a maioria está bocejando ou lendo o jornal enquanto toma o café da manhã, Rob está inalando solução salina hipertônica para soltar o muco nos seus pulmões. Após isso vem os 20 minutos de percussão fisioterapêutica. “Eu passo por um ciclo de exercícios respiratórios, e bato no meu peito para soltar tudo,” explica ele. “Tem um jeitinho – você tem que fazer uma conchinha com as mão, o que também faz isso menos doloroso.” Ele usa essa série de exercícios para soltar e expectorar o muco dos seus pulmões, o impedindo de bloquear suas vias aéreas e diminuindo a chance de infecções. “Os exercícios respiratórios são feitos para alcançar diferentes profundidades nos pulmões, e alguns são involvem soltar ar muito rápido, e induzir tosses, o que é uma coisa estranha de se fazer por si mesmo.”

Após a salina e a fisioterapia vem a inalação com a medicação para asma salbutamol, a qual ajuda abrir as vias aéreas, seguida de um regime diário de antibióticos para ajudar a manter as bactérias que já colonizaram seu pulmão sobre controle. Idealmente, ele faz tudo de volta durante a noite.

Tal rotina “não é realista” duas vezes ao dia, diz Rob, agora um professor de matemática, um músico talentoso e um jogador ávido de bridge. “Eu não sei se as pessoas subestimam quão impressionante uma criança é,” diz ele. “Eu lembro quando eu descobri na minha escola que não eram todos meus amigos que faziam 20 minutos de fisioterapia e nebulizador toda manhã. Eu simplesmente achei que todos fizessem.”

Quando criança, Rob sentava pelo menos duas vezes ao dia por 20 minutos, fazendo inalação com algo do tamanho de uma maleta. “Eu tinha algo como um compressor ligado na parede. Era conectado à uma máscara que eu segurava no meu rosto. Eu era uma criança de nove anos, tendo que manter tudo nivelado, e eu tudo que eu queria era assistir TV.”

Esse kit maciço era um nebulizador, um container que convertia os medicamentos liquidos em uma névoa, conectado num compressor que soprava ar pela névoa, fazendo-a possível de ser inalada. Disponível desde o começo dos anos 80, nebulizadores fazem as medicações irem exatamente onde elas são necessárias, os pulmões pegajosos e infestados de bactérias. Pessoas com FC usam eles para levar antibióticos e soluções salinas diretamente aos pulmões.

Enquanto Rob crescia, seu nebulizador do tamanho de uma maleta foi gradativamente substítuido por algo menor que uma caixa de sapatos, e mesmo assim mais poderoso. No final da sua adolescência, ele tinha uma versão ainda mais atualizada, mais ou menos do tamanho de uma camêra grande, que podia ser facilmente segurada nas mãos e que necessitava de apenas 9 minutos para fazer efeito.

Graças a avanços como esse, Rob conseguiu ir a universidade. Alison era inflexível dizendo que ele precisava sair de Londres – “Eu queria que ele aprendesse a se virar sozinho.” Ele podia escolher qualquer universidade, mas não mais que duas horas e meia de distância, assim ela poderia ir correndo caso precisasse.

Rob lembra de ficar nervoso, dizendo que é sabido que “FCs” se degeneram quando eles saem de casa pela primeira vez. Mas ele foi tranquilizado pela transferência gradual de responsabilidades durante toda a sua adolescência. “Na época que eu estava no ensino médio eu já lidava meus próprios remédios, mas com avisos da minha mãe.”

Para Alison, cuidar dos sintomas dos seu filho era um trabalho de tempo integral. Durante seus primeiros seis meses, os pais de Rob o davam fisioterapia quatro vezes ao dia, encostando seu corpo minúsculo embaixo de uma toalha e em cima de uma almofada e cuidadosamente batendo em seu toráx para soltar o muco. Algumas vezes eles tinham que fazer isso em público. “Eu acho que pelo menos duas vezes ameaçaram chamar o serviço social por causa disso.” diz ela rindo.

Rob já tinha quase dois anos quando cientistas descobriram o gene CFTR, e seu papel na FC, em 1989. A descoberta virou um marco. Alguns acreditavam que uma cura genética estava próxima. Desde que cientistas começaram a entender como os genes se relacionam com doenças, e a entender como as mutações ocorrem, terapia genética tem sido um futuro tentador. Se a mutação é a causa, por que não podemos consertar simplesmente trocando a peça que não funciona?

Com isso em mente, FC é a candidata perfeita para terapia genética. É uma doença genética digna de livros escolares – se você estudou doenças hereditárias na escola nos últimos 25 anos, você provavelmente aprendeu FC como um exemplo de uma anomalia simples, recessiva, de gene único e que é relativamente comum no mundo. Mutações no gene CFTR levam a versão danificadas de proteínas importantes, mas só pessoas com duas cópias deficientes, um da mãe e um do pai, sofre de FC. Pessoas que só tem uma cópia são portadores assimtomáticos, aproximadamente uma em cada 22 pessoas no Reino Unido.

Cientistas ainda não sabem explicar exatamente como o CFTR é responsável por causar os sintomas de FC. A principal teoria é que, em pessoas com a doença, íons e água não conseguem se mover através do epitélio, a camada fina de tecido que delimita as diferentes partes do corpo. Isso faz com que pequenas estruturas chamadas cílios não consigam se mover, eles normalmente movem o muco e as bactérias para fora dos pulmões e vias aéreas.

Mesmo assim, teoricamente, FC é uma das doenças géneticas mais fáceis de se tratar. Cópias saúdaveis do gene CFTR poderiam ser entregues as células nos pulmões basicamente da mesma maneira que os pacientes de FC já fazem inalando seus medicamentos. Uma vez dentro dos pulmões, as cópias do gene produziriam proteínas funcionais.

“Tudo era muito encantador no começo, era como se eu tivesse um gene, um jeito de o entregar no lugar certo, com certeza iria funcionar”, diz Eric Alton, professor de terapia genética e medicina respiratória na Imperial College de Londres. As pessoas esperavam que uma vez que você soubesse que tinha o gene anômalo e o que ele fazia de errado, você poderia fazer terapia genética simplesmente adicionando o gene normal. “Nenhuma dessas [descobertas] tem chego rapidamente” ,reflete ele.

Os 25 anos desde a descoberta do CFTR parecem um período demasiadamente longo para se esperar – e continuar esperando. A doença tem “contribuido muito mais para a ciência do que a ciência contribui para a doença”, Jack Riordan, um dos cientistas que descobriu o gene, disse no jornal científico Nature em 2009.

Alton diz que só há uma barreira para terapia genética – a entrega. A dificuldade é “estamos tentando colocar um gene num pulmão que é extremamente bem defendido,” diz ele. “Seus pulmões se desenvolveram para manter as coisas fora, e nós tentamos colocar algo dentro. Acho que não é mais complicado que isso.”

Alton começou a trabalhar com FC no ano que Rob nasceu. Quando a proteína CFTR funciona corretamente, íons negativos de cloro passam por ela, enquanto íons positivos de sódio passam por outro canal. Esse movimento de cargas negativas pode ser detectado como uma corrente elétrica dentro do corpo. Trabalhando no Hospital de Royal Brompton em Londres, Alton começou a desenvolver um tubo que poderia ser inserido pelo nariz até o pulmão para medir essa eletricidade. Essa ferramenta hoje em dia é usada ao redor do mundo para diagnosticar pessoas com resultados inconsistentes nos testes padrões. “O gene de FC foi descoberto em 1989, e então surgiu a possibilidade de usar esse teste como uma forma de medir se a terapia genética vinha funcionando ou não.” Ele tem tentado desenvolver uma terapia para FC desde então.

A “pergunta de $64 milhões”, como Alton descreve, é quanto você precisa ter de CFTR funcionando para ser saúdavel? Alguém com duas cópias normais do gene, e CFTR funcionando a 100% , não tem doença pulmonar alguma. Mas o mesmo é verdade para um portador do gene da FC – que só tem uma cópia funcional, e portanto 50% da proteína – eles são completamente saudáveis. Isso sugere que para curar FC, não é preciso consertar completamente, nós somente precisamos consertar o suficiente. A questão essencial é o quanto.

Para responder isso, Alton aponta para uma doença relacionada, a ausência congênita bilateral do ducto deferente. Homens com essa condição não tem o canal que carrega o esperma dos testículos para onde eles viram parte do sêmen, e portanto são inférteis. Essa parte faltando se relaciona com o gene CFTR, e muitos homens que tem a doença tem mutações no CFTR, deixando eles com apenas 10% da função do gene. Mas eles não tem doenças pulmonares.

Alton gesticula um gráfico imaginário no ar, de função do CFTR vs. saúde pulmonar: pessoas com FC severa a esquerda e pessoas com duas cópias do CFTR na direita. Pacientes com FC e com doenças pulmonares graves tipicamente tem 1% de função do gene. “O próximo ponto do gráfico é o dos pacientes de FC com mutações moderada – esses pacientes tem uma função razoável, perto dos 5%.” diz Alton. A condição do ducto deferente é associada com 10% de função, e esses homens tem pulmões tão saúdaveis quando os portadores e as pessoas com duas cópias normais do gene, com 50% e 100% de função respectivamente. “Então se você desenhar um gráfico, você percebe que você tem um grande aumento, e quando você chega aos 10% seus pulmões estão saudáveis.”

Isso faz toda a diferença. As chances de compensar completamente um gene defeituoso, ou consertá-lo por completo são mínimas – imitar os níveis que ocorrem naturalmente de 50 ou 100% seriam uma tarefa hercúlea. Porém, elevar esses níveis de 1 para 10% podem ser tudo que nós precisamos para proteger os pulmões.

Alton e seus colaboradores conseguiram encontrar um jeito de atravessar a barreira dos pulmões e entregar esses genes saudáveis para as células pulmonares. O DNA não consegue entrar nas células por ele mesmo, mas ele pode ser envelopado em pacotes de gordura e contrabandeado para dentro. O time usa lipossomos, bolhas microscópicas com uma camada exterior de móleculas gordurosas que se misturam facilmente com os componentes da superfície celular. Uma vez dentro, o gene CFTR se direciona até o núcleo da célula, onde o material genético é mantido, como exatamente, ainda não sabemos.

A parte importante é que a terapia parece funcionar. Os estudos preliminares do time no final da década de 90 descobriu que a terapia genética podia aumentar a atividade elétrica do CFTR em média 25%, um nível que Alton acredita que pode teoricamente mais que suficiente para proteger os pulmões. Depois de testar o potencial da terapia, o time de Alton precisava explorar as dosagens que seriam seguras porém efetivas para serem usadas a longo prazos. Em 2009, Rob, então no seu último ano na Universidade de Oxford, se inscreveu junto com 36 outros pacientes para testar uma única dosagem da terapia, Apesar desse experimento ter sido primariamente feito para checar a segurança da droga, os pesquisadores tiveram um vislumbre tentador do seu poder: “Alguns pacientes mostraram mudanças fantasticas. Alguns corrigiram completamente seus defeitos elétricos – contudo alguns não mostraram nenhuma mudança”, avisa Alton, cuidando para não se deixar levar pelos resultados.

Os resultados definitivos tem demorado tanto tempo, que muitos fora do projeto – não só cientistas mas também os pacientes de FC e suas famílias – estão céticos. Alton não tem dúvidas que a terapia genética vai funcionar. “É só uma questão de entregar um gene dentro de um núcleo”, diz ele. “Eu tenho completa fé, científicamente falando, que irá funcionar em algum ponto.” Mas na prática esse processo é mais difícil. Não somente o gene tem que ser lido pelo próprio máquinario da célula para produzir a proteína certa, mas ele também tem que fazer isso num volume suficiente para fazer diferença na doença. E com o passar do tempo, enquanto as células pulmonares se reparam e multiplicam, as doses repetidas da terapia precisam ser tão efetivas quanto a primeiro para sustentar qualquer benefício a longo prazo.

O teste chave é saber se as melhoras vistas por Alton e seu time produzem mudanças reais nos sintomas de FC. “Nós conseguimos mudanças razóaveis nas medidas elétricas… A pergunta é, isso significa alguma coisa? Se nós conseguirmos 25% de restauração na função do CFRT, será que isso significa que nós estamos sentados na terapia que nós precisamos, ou nós estamos milhões de quilômetros de distância? Não dá para saber até que nós possamos fazer isso repetitivamente.” Seu objetivo é desenvolver algo que se mova pelo menos um pouco nessa direção. “Nós sempre falamos que os pacientes devem ter aspirações modestas… da maneiro que eu creio que os irmãos Wright construiram o primeiro avião. Ele não voou um dia inteiro, ele voou 50 metros, mas foi a prova que o vôo motorizado poderia acontecer.”

Como muitas pessoas com FC, Rob consegue se manter atualizado nas últimas pesquisas da sua doença usando a internet. Twitter, blogs e listas de emails facilitam sua vida, mas uma das suas reclamações é quão difícil é se manter plugado na comunidade online de FC desde que Google Reader foi tirado de cena. Mas mesmo assim foi difícil não ouvir falar do Ivacaftor.

Um time americano tinha desenvolvido a primeira droga que conseguia diretamente consertar a proteína defeituosa que causa a FC. Depois de todo o foco em terapia genética – com resultados limitados – esse novo jeito de atacar a doença parecia ter saído de lugar algum. Mas o Ivacaftor foi o resultado de mais de uma década de trabalho.

Tudo começou quase dez anos depois que o CFTR tinha sido identificado em 1989. Frustados e disapontados com a demora no progresso da pesquisa, a Fundação de FC, um fundo de caridade para a pesquisa nos Estados Unidos, decidiu que era tempo de se tentar algo diferente. Uma sugestão foi tentar parar de consertar a fábrica deficiente, o gene, e ao invés tentar consertar os produtos, as proteínas. “Foi uma ideia meio louca”, diz Paul Negulescu, um pesquisador da Vertex Farmacêuticos. “Era sem precedentes – não havia exemplos de drogas que poderiam restaurar a função de proteínas deficientes nas pessoas.”

Era 1998. Rob estava começando a segunda porção do ensino fundamental. O Projeto Genoma estaria completo logo, e as primeiras ondas do seu impacto começavam a ser sentidas pelos cientistas. No meio dessa agitação, havia muito interesse em aplicar as novas tecnologias na descoberta de drogas. “Havia essa atmosfera, na qual as novas ferramentas começavam a encontrar novas drogas para os mesmos alvos” lembra Negulescu.

Negulescu se deparou com o gene CFTR pela primeira vez quando ele estudava para seu Ph.D num laboratório de fisiologia gastrointestinal na Universidade da California, em Berkeley. Ele havia descoberto que a proteína normalmente faz o transporte de íons e água através do trato intestinal, mas ele acabou por partir para outras questões cientifícas quando ele não conseguiu ter certeza dos seus resultados. Ele estava então, trabalhando numa empresa de biotecnologia recém criada em San Diego quando a Fundação de FC apareceu. Negulescu, com sua experiência em canais de íons, foi incorporado em um projeto que ia providenciar o primeiro tratamento direto para FC.

Seu time testou centenas de milhares de moléculas em pequenos poços em placas capazes de hospedar até 384 experimentos de uma vez. Em cada poço eles colocaram células de camundongos com o CFTR defeituoso, e adicionaram um composto diferente em cada um. Esses eram os experimentos de maior rendimento na era pós genômina. Se uma célula conseguisse passar íons pelo CFTR, ela iria brilhar graças a um marcador fluorescente. E eventualmente, uma brilhou.

Durante uma segunda rodada de testes em 2003, eles encontraram Ivacaftor. “Se você pensar ele (o CFTR) é como uma porta… com FC as dobradiças estão enferrujadas e a porta não abre nem fecha. Ivacaftor solta um pouco essas dobradiças,” Negulescu explica. O jeito exato que Ivacaftor funciona não é certo ainda, mas parece que as moléculas pequenas ajudam a proteína a abrir e fechar.

Não é uma cura completa – das muitas mutações que podem causar FC, Ivacaftor só consegue tratar aquelas onde o CFTR defeituoso acaba saindo da superfície das células, o que significa que não funciona quando as proteínas são degradadas antes que elas cheguem a superfície, ou quando essas proteínas não são criadas de qualquer jeito. Mas quando ele funciona, ele funciona extremamente bem. O time tem tido um sucesso particular usando Ivacaftor para tratar uma mutação conhecida como G551D – que aproximadamente 4% das pessoas com FC tem. Em 2006, eles começaram um novo ensaio clínico com 20 pessoas que possuiam essa mutação. Apesar do tamanho diminuto desse estudo, os resultados eram claros – Ivacaftor melhorava significativamente a função do CFTR das pessoas com G551D.

“Em cada parte que nós olhavámos… nós conseguiamos ver mudanças claras”, diz Negulescu. “Pessoas com FC tem níveis anormalmente altos de cloro em seu suor… mas quando nós olhavámos, esses níveis estavam abaixo da taxa limítrofe de quando você é diagnosticado com FC.” Apesar do primeiro estudo só ter durado duas semanas, o time também viu melhoras significativas nas funções pulmonares dos participantes. Uma medida chave nas pessoas com FC é o volume de ar que as pessoas conseguem forçar para fora de seus pulmões em um segundo. Depois de 14 dias tomando Ivacaftor, esse volume aumentou em média 10.1%, aproximadamente 220mL.

Em 2009, o time começou um ensaio maior, com 200 pacientes dos EUA, Europa, Canadá e Austrália – mais de 10% de todos os pacientes com a mutação G551D no mundo. Depois de 48 semanas, os participantes conseguiam forçar uma média de 10.6% mais ar em um segundo, e seu suor era muito menos salgado. O sucesso significou que em 2012, o USFDA (US Food and Drug Administration, o orgão responsável pelo controle de medicamentos e alimentos nos EUA) aprovou o uso de Ivacaftor em três meses, uma das aprovações de drogas mais rápidas da história nos EUA. Um ano depois, pacientes com G551D no Reino Unido começaram a tomar a droga.

Nick, um empresário de 38 anos em Londres foi um deles. Para ele, os efeitos de Ivacaftor, agora vendido sob o nome comercial de Kalydeco, foram quase instantâneos. “Foi absolutamente maravilhoso. Eu senti que havia uma diferença em menos de 24 horas.” “Uma vez que você começa a tossir é muito díficil parar até você se livrar do muco, e porque você tosse muito a noite, incomoda muito seu sono,” diz ele. “Eu costumava ir a reuniões, ou encontros, e eu nunca sabia quando eu ia começar a tossir.” Desde que ele começou a tomar Ivacaftor, em março de 2013, Nick tem se acostumado a viver uma vida mais normal, a qual ele diz que não tinha realmente sentido antes. Ele está muito mais saúdavel também, precisando de menos fisioterapia diária. “Eu descobri que agora eu consigo ganhar peso. O doutor também acha que isso é ótimo, mas – eu sei que parece vaidoso – mas era fácil para mim comer um monte de chocolate e ainda ter uma barriga seca!”

Nós ainda não sabemos os efeitos a longo prazo de uma vida tomando Ivacaftor, e ainda é muito cedo para saber se a diferença vai refletir na expectativa de vida. Até os pacientes terem tomado Ivacaftor por alguns anos a mais, não saberemos com certeza se a droga tem qualquer efeito adverso desse gênero. E enquanto Nick sentiu alguns efeitos instantaneamente, vai demorar algum tempo antes dos pesquisadores saberem se Ivacaftor consegue tratar os sintomas mais sútis das pessoas com FC, como sua perda gradual de densidade óssea.

Mesmo assim, enquanto eu escrevo, essa é a única droga já descoberta e aprovada que age diretamente na causa da FC, ao invés de somente aliviar os sintomas. Isso, diz Negulescu, é em parte graças ao interesse comum da comunidade mundial de pacientes com FC. “Foi excepcional que nós conseguimos recrutar mais do que um em cada dez pacientes (G551D) para o nosso estudo em uma maneira experimental como essa”, diz ele. “Pacientes, médicos e os familiares estavam muito conscientes desse pequeno estudo. A palavra se espalhou muito rapidamente para os grupos de pacientes… e eles vieram. Eu acho que o fato deles serem uma comunidade de pacientes tão bem conectada foi realmente fundamental.”

O time de Negulesco conhece esses pacientes não somente como parte de uma pesquisa, mas como seres humanos. “Nós tivemos uma jovem no ensaio clínico do G551D aqui em San Diego”, lembra Negulescu. “O dia que a droga foi aprovada, apareceu nas notícias… Ela correu aqui logo depois do trabalho para compartilhar seu entusiasmo com a aprovação surpreendentemente antecipada. Ela tomou suas enzimas e se juntou a nós para comer o bolo”

3.Living with CF photography © Bruno Drummond for Mosaic FINALRob é uma pessoa adoravelmente positiva. Ele não tem nem o tempo nem a tendência de se queixar de coisas pequenas – ele prefere muito mais falar sobre música ou filmes, ou trocar histórias. Ele da o crédito em parte a como Alison e Andy o criaram, descrevendo suas visitas regulares ao hospital como “só um fato da minha vida.” Ele diz que tenta restringir suas preocupações e sentimentos negativos para esses dias somente. Apesar de falar sobre sua saúde pulmonar em geral, ele não se aprofunda muito. “Os detalhes mais específicos de o que acontece são, para mim, incrivelmente particular.”

A combinação genética de Rob é complicada. Um dos seus genes CFTR não produz proteína alguma, e nenhum tipo de terapia genética até agora pode curar isso. Mas seu outro gene tem uma mutação chamada delta F508, que significa que ele não possui uma peça importante em suas proteínas. Isso resulta numa proteína CFTR disforme, que é degradada pelas próprias células antes de alcançar a membrana celular, onde ela deveria agir. De todos os pacientes com FC no mundo, por volta de 47% possuem duas cópias dessa mutação, e 39% possui uma cópia somente, como Rob.

Rob ainda participa ativamente em pesquisas de FC com cientistas como Alton. Alton coordena o Consórcio de Terapia Genética para Fibrose Cística no Reino Unido, que por si reúne pesquisadores da Imperial College de Londres com os das Universidades de Edinburgo e Oxford. Depois de 11 anos de muito trabalho, o consórcio finalmente embarcou num ensaio clínico de doses múltiplas de terapia genética em 2012. Pacientes receberam uma dose de tratamento por mês, por 12 meses, com a última sendo em maio. O time agora está analizando os dados, e eles saberão os resultados em breve.

Ao chegar na etapa de um ensaio com múltiplas doses, a participação havia se tornado um grande compromisso, difícil para ser encaixado numa vida como a de Rob, que havia se formado na universidade e começado seu trabalho como professor de matemática. Seu dia de trabalho começa as 8:45 e nas noites ele equilibra reuniões com o departamento, encontro com os pais, ensaios de coro, performances de orquestras e alguns jogos de bridge durante a semana. Mas enquanto muitas pessoas com FC não seriam aptas a tomar parte num ensaio tão extensivo, a comunidade de FC tem seguido seu progresso com grande interesse. “Várias pessoas aparecem todo dia e perguntam como estão os resultados”, diz Alton.

O consórcio planeja revelar seus dados em outubro, na Conferência Norte Americana de FC em Atlanta, o encontro de pesquisadores mais importante de FC. “Eu só espero que algumas pessoas, de alguma maneira, melhorem”, diz Alton filosoficamente, “isso é tudo que eu quero.”

Independente de seus resultados, o consórcio já está começando a testar uma segunda maneira de entregar a terapia genética aos pulmões, usando um tipo de vírus que eles acreditam que pode ser mais seguro e mais efetivo que os até então usados. Eles esperam poder experimentar em pessoas com FC em 2017.

Enquanto isso, o time de Negulescu em San Diego está trabalhando numa segunda pequena molécula chamada Lumacaftor – a qual eles acreditam que possa ajudar àqueles, como Rob, com delta F508. Lumacaftor ajuda as proteínas disformes, normalmente descartadas antes de chegar a superfície da célula, onde elas precisam estar. Enquanto escrevo, o time está terminando um grande e crucial ensaio usando uma combinação de Lumacaftor e Ivacaftor –  o par de drogas vai tanto colocar a proteína CFTR no seu devido lugar quanto vai ajudá-la a funcionar. Negulescu me contou que a terapia poderia ser aprovada até o final de 2015.

Mesmo assim, quando os primeiros resultados apareceram em junho desse ano, eu fiquei desapontada. Como tantos outros avanços científicos, os resultados mostravam uma melhora significativa e importante, mas não enorme nem dramática. Depois de 24 semanas no tratamento conjunto, os participantes mostraram uma melhora na quantidade de ar que eles podiam forçar para fora dos pulmões em um segundo de em torno de 2.6 a 4%. Estatisticamente isso é significativo, mas é somente uma pequena melhora.

Em um email, Negulescu me contou que seu time estava muito entusiasmado com esses resultados primários. Além de melhora na função pulmonar, eles também descobriram que pacientes na combinação de drogas conseguiram ganhar peso, e sofriam menos acessos de infecções bacterianas e inflamações, um resultado importante para a saúde pulmonar e qualidade de vida a longo prazo. É um ótimo resultado, mas ainda muito abaixo dos 10.6% que a Vertex viu depois de 24 semanas de uso do Ivacaftor em pessoas com a G551D. Eu estava desapontada, pelo time e especialmente por Rob.

Ainda assim, Alton diz que essa é uma epóca esperançosa para a pesquisa em FC. A Vertex está planejando trabalhar em uma terceira molécula para aumentar os efeitos do Lumacaftor e Ivacaftor. Os resultados do grande ensaio de terapia genética de Alton estarão prontos em outubro desse ano, e é possível que um dia, pequenas moléculas como essas possam ser usadas em combinação com a terapia genética para aumentar a função do CFTR nas mutações mais complexas. “Nós sabemos mais sobre a doença, e há companhias farmacêuticas, como a Vertex, que tem feito muito bem… há a terapia genética… e a expectativa de vida continua a subir”, diz ele. “Em um gráfico de otimismo vs tempo, a tendência é muito positiva.”

Ainda há muito a ser feito em melhorar o tratamento da doença. Pesquisa talvez ajude a melhorar a quantidade de pílulas e a frequência de fisioterapia necessária, diz Alton. Até que uma cura seja descoberta, os estudos mais cruciais para Rob e outros como ele são os que produzem novos antibióticos, e tratamentos mais efetivos para remover o excesso de muco, para manter as infecções pulmonares sob controle e minimizar os danos aos pulmões. Por exemplo, inovações recentes fazem com que quando as infecções de Rob sairem do controle, ele não vai mais precisar passar duas semanas no hospital tomando antibióticos demorados. Agora ele pode visitar o hospital, ter uma linha intravenosa inserida no seu braço e se tratar de casa, usando bolas de borracha com antibióticos especialmente pressurizadas que são absorvidas pelo seu braço, sem a necessidade de injeções hipodérmicas. Ao invés de pedir uma licença médica, Rob pode continuar a trabalhar, onde os pupilos que ele ensina não tem ideia e não precisam saber sobre sua condição e seus tratamentos. “Eu ainda acho que vários dos meus colegas não sabem. Eu não tento esconder, mas eu não preciso anunciar”, diz ele.

“Cada passo é um passo mais perto de uma cura”, diz Rob. “Eu acho que nós com FC só precisamos caminhar cada centímentro que nós pudermos.”

Texto original e fotos: Mosaic – The Science of Life

Traduzido por Thiago Arzua: Estudante no terceiro ano de “Pre-Med” na University of South Florida, em Tampa nos EUA, visando a uma graduação em Medicina. Voluntário também em um laboratório de neurobiologia, com ênfase em doenças neurodegenerativas como Alzheimer’s. Foi também assistente de pesquisador em um laboratório de química sintética por mais de um ano, incluindo contribuições em artigos publicados, e diversas conferências nos EUA. Em março 2014 foi ao Peru em uma missão para ajudar comunidades carentes com programas educacionais e clínicas gratuitas. Quando no Brasil, atua como voluntário no Hospital de Clínicas de Curitiba, e no Hospital do Trabalhador.

Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

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